A mais recente controvérsia hollywoodiana envolve o
ator Will Smith, cotado para interpretar Richard Williams, o pai e técnico das
tenistas supercampeãs Venus e Serena no filme que conta a saga das irmãs até o
estrelato, a fama e a conta bancária astronômica. Smith, um rapper que já foi
indicado duas vezes ao Oscar de melhor ator - por sua atuação como o boxeador
Muhammad Ali e em “À procura da felicidade” -, vem sendo questionado por não ser
“suficientemente negro”, por ser muito “light-skinned”. Ironicamente, em 2016,
Will Smith e sua esposa, a atriz Jada Pikett Smith, estiveram à frente do
movimento #OscarsSoWhite, que boicotou a noite de premiação em protesto à
ausência de atores negros nas quatro categorias por dois anos consecutivos.
Os críticos da escolha acusam a Academia de “colourism”,
categoria que, no mundo cinematográfico, se refere à hierarquização de atores “não-brancos”
de acordo com o tom de pele, os mais claros no topo da cadeia e os mais
escuros, lá embaixo. Diretores, produtores e agentes tenderiam a escolher
atores “biraciais” ou “negros de pele mais clara” (“light-skinned blacks”)
porque, presumivelmente, estão mais perto do padrão ideal de beleza branca e, consequentemente,
mais palatáveis ao público que paga ingressos.
Seria estúpido negar que o racismo ainda é uma chaga e
que a indústria do entretenimento, como um espelho da sociedade, não lhe está
imune. Dito isto, fico me perguntando se a melhor estratégia na luta contra o
racismo seja o reforço de determinados estereótipos e estigmas ou a
cristalização de determinadas representações simbólicas de indivíduos e grupos
que, ao longo da história, vem sofrendo os efeitos da discriminação, da
opressão, da exclusão, exatamente porque lhes são impingidos determinados
estereótipos, estigmas e representações simbólicas.
Extrapolando a controvérsia cinematográfica,
transbordando seu sentido para o mundo dos simples mortais, fico me perguntando
o que é ser “pouco negro”. Ou “muito negro”. O que é ser “pouco branco”? Ou “muito
branco”? Como quantificar a pigmentação da pele? E quem seria responsável pela
classificação? Um tribunal? A “ciência”? E, uma vez definidas estas categorias
de classificação de pigmentação da pele, quais os seus desdobramentos e significados
práticos na vida dos classificados? A colorimetria da pele estaria associada,
também, ao comportamento estético, à textura dos cabelos, ao uso de adereços, à
vestimenta, ao gosto musical e esportivo, à religiosidade, crenças e valores? Onde
é o “lugar” de uns e de outros? A quem interessa enrijecer as definições de
identidade?
Abrindo parênteses, outro exemplo hollywoodiano ajuda
a ilustrar como determinados comportamentos são reveladores de nossa obsessão preguiçosa
em simplificar realidades demasiadamente complexas. Retomo, mais uma vez, um
episódio do comediante Jerry Seinfeld.
Certa vez, Seinfeld marca um encontro com uma moça que
“conheceu” numa linha cruzada, naqueles tempos em que ainda se usava telefone
fixo. Seu interesse ficou ainda mais aguçado quando presumiu que a moça era “asiática”
– seu sobrenome era “Chang” - e Seinfeld não escondia suas fantasias sexuais
com mulheres “exóticas”.
Os dois encontram-se num restaurante chinês, por
sugestão de Donna. Ao se apresentar a Jerry, ele não associa o nome à pessoa
física porque ela é loura de pele clara. Donna esclarece (!), então, que o sobrenome
da família era, originalmente, Changstein. Seinfeld a considera uma impostora, revolta-se
com sua “petulância” de sugerir comida chinesa e fazer acupuntura, apesar de
não ser asiática. Donna aconselha, por telefone, a mãe de George, outro
personagem do seriado, a não se divorciar, citando os ensinamentos de Confúcio,
mas, quando a mãe de George descobre que Donna não é chinesa, decide manter o
divórcio porque não aceita conselhos “de uma mulher qualquer de Long Island”.
Sacaram as similitudes e a perspicácia de Seinfeld? A
arte, sem dúvida, imitando a vida. E fechando os parênteses.
Talvez a excelência performática de Will Smith, o
Agente J de “Men in Black”, seu carisma, sua capacidade de captar o espírito e
a essência do personagem da vida real sejam mais importantes do que a
similaridade física com o pai das irmãs Williams. Talvez sua capacidade de
gerar milhões de dólares em bilheteria fale mais alto, mais do que o racismo
empedernido de Hollywood. Ou, talvez, ele seja um traidor da causa, um vendido
ao sistema. Façam suas apostas.
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