Política para as artes: sugestões para uma gestão eficiente


Em recente entrevista ao jornal O Globo, questionado sobre seus planos para a Fundação Nacional de Artes – Funarte, o ministro da cultura Juca Ferreira afirmou que a instituição responsável pelo fomento às atividades artísticas em todo o país entrou em decadência. Ela não teria sido capaz de garantir sua renovação depois da transição da ditadura para a democracia, incapaz de gerar processos. Juca puxa para si parte da responsabilidade, admitindo que durante os oito anos do governo Lula os gestores do MinC não foram capazes de reverter este processo de decadência.

A Funarte está “meio que falida, mas é um instrumento institucional importante”, admite o ministro. Sugere, em seguida, dois passos que considero importantes. O primeiro, a nomeação de um intelectual para a presidência da instituição. E por que considero importante? Porque um intelectual é, a princípio, alguém que se debruça sobre a realidade criticamente, não aceita de bom grado aquilo que vê porque aquilo que vê pode esconder verdades mais profundas. Lembrem-se do mito da caverna, de Platão. E política para as artes só pode ser construída a partir de um diagnóstico crítico da realidade vivida pelas artes no Brasil. O segundo passo, articulado ao primeiro, é a constituição de uma comissão para pensar a renovação das políticas para as artes, buscando um caráter nacional. O cinema e a música foram capazes disso. As artes, não. Para Juca,

"Estamos sem política para as artes. Não há política de formação. Temos escolas isoladas, músicos, atores e técnicos que são fruto de geração espontânea. O Brasil faz na arte o que faz com o futebol: extrativismo. Colhe talentos sem nenhum investimento."
O intelectual a que Juca se refere é o filósofo e ensaísta Francisco Bosco. Afinado com o discurso do ministro, em sua última coluna semanal n’O Globo, Bosco justifica o fim temporário de sua contribuição ao diário carioca por considerar que a presidência da Funarte seja incompatível com sua atuação na imprensa. Para ele, ter um cargo ligado ao governo e deixar de escrever sobre política é uma contradição quanto ao que entende por cultura. Ou seja, a compreensão da cultura passa, necessariamente, à atuação no campo político. Donde a necessidade de se pensar política para as artes. Políticas públicas, e não politicagem, que transforma a cultura num balcão de negócios.

A título de humilde contribuição ao novo presidente da Funarte, gostaria de expor algo sobre as políticas públicas para o teatro.  

Em 2005, as Câmaras Setoriais foram implantadas no âmbito do Conselho Nacional de Política Cultura para serem espaços permanentes de diálogo entre Estado, sociedade e iniciativa privada na elaboração e pactuação de políticas públicas e diretrizes para o Plano Nacional de Cultura. As mesmas diretrizes são esperadas nos Colegiados Setoriais, substitutos das Câmaras Setoriais como órgão integrante do CNPC. No dia 29 de novembro de 2010, o Colegiado Setorial de Teatro publicou seu Plano Setorial de Teatro, antecipando-se à própria Lei de Acesso à Informação no que se refere à necessidade de acompanhamento das ações do Estado no âmbito das políticas públicas voltadas ao teatro. Chama a atenção, por exemplo, o item 4.2.e o subitem 4.2.2 do Capítulo IV – Do Desenvolvimento Sustentável:

4.2: Promover o levantamento e avaliação dos dados estatísticos do setor teatral

4.2.2: Ampliar e atualizar o sistema de acompanhamento das informações e dados relativos às ações, editais e recursos econômicos da área cultural, de forma a garantir a transparência e o acompanhamento dos processos em curso.

No capítulo V – Da Participação Social, cujas diretrizes são estimular a organização de instâncias consultivas; construir mecanismos de participação da sociedade civil; e ampliar o diálogo com os agentes culturais e criadores, duas ações estão relacionados diretamente com a discussão proposta neste artigo a respeito do acesso à informação e transparência da gestão pública. São eles:

5.1: Criar canais de consulta, crítica e sugestões para acompanhamento e participação da sociedade nas políticas públicas de cultura.

5.2: Fortalecer instâncias consultivas e de participação direta para o acompanhamento e avaliação das políticas públicas para o setor teatral.

Com relação à parte do item 4.2.2 que fala em ampliar e atualizar o sistema de acompanhamento das informações e dados relativos às ações, editais, é válido exemplificarmos esta ação com o Edital Prêmio de Teatro Myriam Muniz, criado em 2006 e gerido pela Funarte. No relatório de atividades da instituição relativo ao ano de 2007 destaca-se o papel da unidade na execução das políticas públicas de cultura nas suas áreas de atuação. No tocante especificamente ao campo teatral, é diretriz institucional ampliar o público e valorizar a inovação e a diversidade da produção teatral brasileira.

A exemplo das demais linguagens artísticas, o teatro requer uma política de financiamento que suporte o desenvolvimento, a produção e a circulação de suas obras. Por conta de sua natureza de espetáculo vivo, dependente da interação de elementos cênicos e da presença simultânea e física do público, trata-se de uma modalidade de expressão artística irredutível à reprodução em escala pela indústria cultural. Nesse contexto, o teatro carece de oportunidades de autonomia financeira equivalentes às cadeias produtivas do audiovisual, música popular ou literatura. Esse panorama se agrava por conta das disparidades regionais na oferta de infraestrutura de apoio à produção e fruição teatral, bem como pela distribuição irregular dos meios de capacitação de atores e técnicos e de formação de público. Entre os principais desafios estão a necessidade de apoio à pesquisa e produção dramatúrgica e cênica, revitalização dos circuitos nacionais e regionais e construção de espaços culturais que promovam a circulação e o acesso das diversas expressões teatrais existentes no país. (grifos meus)

Sou um cidadão curioso. Observando os dados relativos ao Myriam Muniz, solicitados à coordenação de teatro da Funarte, para o período 2007-2012, observei que, apesar de nacional, o prêmio apresenta baixa representatividade municipal seja em números absolutos, seja com relação ao número de municípios de cada estado com existência de grupos de teatro. Além do baixo índice de diversidade municipal, observa-se uma alta concentração dos projetos inscritos nas capitais dos estados. Em alguns casos, sobretudo na região norte, apenas a capital do estado esteve presente nas seis edições analisadas. Chama a atenção, também, o fato de muitos estados brasileiros apresentarem baixo índice de municípios com projetos inscritos, ainda que neles haja um número significativo de grupos de teatro, de acordo com os dados da MUNIC/IBGE 2006, como é o caso de Bahia e Ceará.

Mas uma política pública não pode ser pensada a partir de uma curiosidade. É uma responsabilidade profissional do gestor público. Os resultados positivos de determinada política pública só podem ser alcançados a partir de um planejamento estratégico, e este planejamento estratégico só pode ser elaborado a partir de diagnósticos e estudos prospectivos. O programa ou ação governamental devem ser avaliados sistematicamente com vistas à determinação de sua eficiência (menor relação custo/benefício), eficácia (grau em que o programa atinge seus objetivos e metas), efetividade (efeitos positivos no ambiente externo em que interveio), sustentabilidade (capacidade de continuidade dos efeitos benéficos alcançados pelo programa) e relevância de seus objetivos. A avaliação é realizada por meio de indicadores, que quantificam os resultados obtidos na aplicação de critérios previamente selecionados, confirmando ou não o alcance das metas pré-determinadas.

Algumas poucas sugestões para o futuro próximo da Funarte:

-Infraestrutura tecnológica compatível com as exigências da sociedade, através de editais eletrônicos, gerando maior alcance geográfico e barateando os custos tanto para a instituição quanto para o proponente, além da agilidade na análise dos projetos inscritos pelas comissões julgadoras.


-Armazenamento de dados em sistemas eletrônicos capazes de gerar relatórios estatísticos fundamentais para a avaliação da política institucional. Não é possível, em pleno século XXI, a inserção de dados em planilhas do tipo Excel.


-Designação de um servidor, em cada centro da Funarte, responsável pelo armazenamento destes dados, transformados posteriormente em informação, quer dizer, o dado socialmente significativo.


-Divulgação online dos relatórios estatísticos detalhados de cada programa da instituição, conforme preconiza a Lei de Acesso à Informação, numa atitude ativa frente ao cidadão.

-Constituição de um Setor de Pesquisas, nos moldes dos Escritórios de Projetos de grandes empresas, responsável pela avaliação qualitativa dos dados produzidos pelos editais e demais programas institucionais. Não sei se a comissão pensada pelo ministro vai neste caminho.

-Estabelecimento de uma cultura gerencial que privilegie o fim, e não o meio, que privilegie o alcance do objetivo estabelecido pela política institucional, permanentemente avaliada criticamente, e não apenas o pagamento dos contemplados de modo a cumprir metas burocráticas e preenchimento de relatórios de atividades no final do ano.

-Orçamento compatível com o que dela se espera.

-Por fim, mas não menos importante, valorização profissional dos servidores, contemplando-os com um Plano de Cargos e Salários específico para o setor cultural.

O ministro Juca Ferreira falou dos oito anos do governo Lula, mas esqueceu-se dos quatro anos do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, período em que a Funarte viveu à míngua, com cortes sucessivos de verba de seu já combalido orçamento. As perspectivas são ainda mais sombrias para este ano de 2015 devido à crise econômica por que passa o Brasil. A nomeação de um pensador como Francisco Bosco é um bom sinal, um bom começo, em meio ao deserto de ideias que grassa na administração pública infestada de cargos comissionados criados para acomodar apadrinhados políticos, amigos dos amigos, indivíduos desqualificados para a função pública.

 Boa sorte a ele.   



Também disponível em: cartamaior.com.br

Comentários