Punheta


Antigamente – e nem tão antigamente assim - havia o momento certo de o pai ter “aquele conversa” com o filho. Falar sobre sexo sempre foi tabu, e ainda é, para muita gente. Acho que tem a ver com uma herança cultural baseada em valores religiosos, onde o corpo humano é, sobretudo, pecaminoso, sujo, tentado permanentemente pelo diabo. O legal mesmo, nessa visão de mundo, é o corpo mortificado, contido, triste, culpado. O tema, interditado e misterioso, sempre foi terreno fértil para o surgimento de verdadeiras “lendas urbanas”, como aquela que dizia que a masturbação masculina produz um monte de espinhas no rosto do depravado, além de tufos de pelo nas palmas das mãos. A prova do crime estaria ali, literalmente na nossa cara.

Sentados no já tradicional restaurante perto de casa, eu e Miguel almoçávamos o também já tradicional prato de arroz, feijão, franguinho grelhado e farofa, quando o rapaz às portas dos onze anos pergunta:

- Papai, você bate punheta?

Surpreendido, embora nada constrangido ou envergonhado, devolvo a pergunta:

- Onde você ouviu sobre isso, meu filho?

- Antes, responde.

- Mas é que eu fiquei curioso pra saber onde você ouviu sobre “punheta”, só isso.

- Ah, deixa pra lá.

- Filhote, você sabe que não precisa ter vergonha de falar conosco sobre essas coisas, nós sempre fomos abertos contigo para conversar sobre qualquer assunto.

- Tá bom. Foi um colega da escola.

- E ele sabe o que é “punheta”?

- Ele disse que a gente pega a nossa mão e faz assim no pinto (imita o movimento de masturbação).

- Entendi.

- E o pinto tem de ficar duro, né?

- Normalmente, ele fica sim.

- Mas o meu colega disse que dói.

- Olha, não deveria doer. Deve ser, sempre, uma coisa prazerosa. Talvez o seu colega esteja fazendo algo errado, não pode machucar.

A conversa terminou por aqui, sem mortos e feridos, sem traumas. Não se falou sobre ejaculação, que é o desdobramento natural da masturbação, porque o assunto não veio à tona e eu não achei necessário introduzi-lo naquele contexto. Quando vier à tona, e se ele sentir-se confortável em compartilhar as eventuais dúvidas comigo ou com a mãe ou com qualquer outra pessoa, contanto que o faça porque a pior coisa do mundo é ficar com dúvidas sobre qualquer coisa e acabar “trocando os pés pelas mãos”, estaremos a postos.

A educação sexual, nesta fase da vida, não significa, como os arautos do apocalipse costumam bradar, “ensinar a transar”. Esse é mais um mito criado, dentre outros, como o “kit gay”, a “mamadeira de piroca” e o “menino veste azul, menina veste rosa”, com o intuito de criminalizar o tema e legitimar uma postura fundamentalista religiosa.

A criança e o adolescente têm de ser educados a não ter vergonha dos próprios corpos. Têm de aprender a discernir um carinho inocente de um assédio. Têm de saber quem pode e quem não pode tocá-lo, e em quais circunstâncias. E que o corpo deve ser fonte de prazer, que não é vergonha sentir prazer. Que o corpo é como um parque de diversões sem fila para repetir o brinquedo favorito. Como aquela pizza do El Cuartito em Buenos Aires ou aquele sanduíche de pernil com abacaxi do Cervantes, lá em Copacabana. 

Já nos bastam as agruras do cotidiano. Que, pelo menos, sejamos poupados do “velório libidinal” – linda expressão da Tati Bernardi, colunista da Folha de São Paulo – dessa gente rancorosa, invejosa, triste e reprimida.



Comentários

Washington disse…
Maravilha!
Sempre importante ter amigos por perto para poder nos ajudar com algumas dúvidas.