Ele me cutuca e pergunta que horas são. Respondo que
faltam vinte minutos para as seis da tarde. Ele agradece e, em seguida, começa
a preparar o espetáculo. Um pano redondo no chão serve como palco, separado da
esperada plateia por uma espécie de “Tereza”, aquela corda feita de lençóis.
Compunham o cenário, além do palhaço que me perguntou as horas, cuja palhaçada
se reconhecia inicialmente pelos sapatos típicos, três malabares, alguns
brinquedos de borracha, um pequeno trompete e um baú. A praça estava cheia,
final da tarde de sábado, muitas crianças brincando, muito marmanjo tomando sua
cervejinha nas muretas.
Às seis horas, em ponto, o trabalho começa. Aos
poucos, crianças de todas as idades, as menores acompanhadas dos pais, vão se
aproximando e sentando no chão à frente do palco. Durante aproximadamente
quarenta, cinquenta minutos, o palhaço conta piadas e tenta cativar a atenção
da plateia infantil, sempre muito exigente, e dos adultos que também param para
observar a atuação do artista de rua. Aparentemente, as crianças gostam do que
veem, sobretudo com a manjada técnica de transformá-las em atores/cobaias por
alguns minutos. A tarefa do palhaço não é fácil, a concorrência é feroz: o
parquinho de areia, o pula-pula, o skate, a bola de futebol, o sambinha que
rola no coreto, o clássico Vasco-Fluminense passando nas televisões dos bares
que circundam a praça, o barulho de tudo isso junto.
O palhaço passa a sacolinha e as crianças depositam
notas e moedas, ele diz que ainda dá tempo de voltarem aos pais e pegarem um
pouco mais, de preferência notas, de preferência as de cem reais. O dinheiro
arrecadado, esclarece, vai para crianças carentes. Ele pede que o público não
se vá, mesmo aqueles que não puderam contribuir, porque o espetáculo ainda não
havia terminado, mas as crianças já estavam irrequietas e os adultos já haviam
perdido o interesse. Era, sim, hora de terminar. Ele agradece a presença de
todos e encerra o espetáculo.
Desmontado o “palco”, chego perto do artista e lhe dou
os parabéns. Está há pouco tempo na cidade, vem do Paraná. Pergunto se dá para
sobreviver realizando espetáculos na rua, e ele responde que sim.
Surpreendentemente, me diz que é mais difícil ter o trabalho reconhecido em
grandes cidades como o Rio de Janeiro, e que lhe incomoda muito o fato de
muitos pais deixarem as crianças largadas durante o espetáculo, como se fosse
um animador de festas. Para ele, a arte na rua deve ser compartilhada com
todos, adultos e crianças, é um jeito de estabelecer uma conexão, uma
identidade, e o sorriso estampado no rosto de cada espectador é tão importante
quanto o dinheiro colocado na sacolinha. Quem disse que adulto não pode rir de
palhaçada?
Ser artista de rua é ser guerreiro, é matar um leão
por dia, é lutar contra a indiferença da “multidão solitária” que finge ignorar
sua presença desviando o olhar, que finge digitar qualquer coisa o celular, que
finge dormir no banco do ônibus ou do metrô. É não ter apoio sistemático do
poder público, de políticas públicas perenes, das grandes e não tão grandes
empresas que utilizam as leis de incentivo fiscal à cultura para promover “mais
do mesmo” - os grandes blockbusters da cultura tupiniquim - e que se dane a
diversidade cultural, os direitos culturais.
O palhaço da praça é um abnegado idealista. Desejo-lhe
boa sorte. Ele junta a parafernália e segue seu rumo.
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