Pegando carona no escândalo da fraude
em cerca de 250 projetos culturais que fizeram uso da lei de incentivo fiscal à
cultura, a mais do que conhecida Lei Rouanet, e cuja soma dos desvios alcança
incríveis R$ 150 milhões em cerca de quinze anos de atuação do grupo criminoso,
quantia muitas vezes maior do que sonham para suas ações finalísticas os
diretores de linguagem da Fundação Nacional de Artes – Funarte, continuo o
“espancamento do bêbado” com a apresentação de um quadro comparativo referente
ao ano de 2015. Brevíssimos comentários vão em seguida.
Engana-se quem acredita que a demanda
pelo instrumento de renúncia fiscal supera a demanda pelo instrumento de
financiamento direto através de instituições ligadas à administração pública
federal, ambos interessando pouco mais de 4400 projetos. Por outro lado, o
número de projetos que realmente obteve alguma captação recursos beira os 50%
nas cinco linguagens sob a responsabilidade da Funarte, situação inversa vivida
pelos próprios centros de artes cênicas, música e artes visuais da instituição,
cujos editais lançados no ano de 2015 conseguiram premiar um percentual
diminuto e muito aquém das expectativas de uma verdadeira atuação nacional,
democrática, inclusiva, incentivadora da diversidade artística brasileira. O
edital voltado ao teatro, Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, contemplou
módicos 3% dos inscritos; os editais de música, em seu conjunto, premiaram
14,5% dos proponentes.
Mas não há nada que esteja ruim e que
não possa piorar. Apesar de a procura pelos dois instrumentos de financiamento
ter sido semelhante no ano passado, os valores amealhados por cada uma das
linguagens artísticas analisadas é constrangedoramente desfavorável ao braço do
MinC responsável pela elaboração, implantação, execução, monitoramento e
avaliação das políticas públicas para as artes. Coube aos editais da Funarte
pouco mais de 3% do valor total destinado à renúncia fiscal. No caso do circo,
o constrangimento é ainda maior, se observarmos que houve menos projetos com
captação de recursos do que contemplados no edital Prêmio Funarte Carequinha de
Estímulo ao Circo, embora o montante total captado seja mais elevado que o
distribuído na seleção pública.
Num momento em que a Lei Rouanet vem
sendo demonizada, eu mesmo já tendo escrito textos criticando-a duramente por
não cumprir o que dela se espera (cheguei mesmo a sugerir que o melhor seria
extingui-la), ao financiar artistas e projetos já estabelecidos no mercado
artístico, com público fiel e verbas asseguradas e que, não obstante, não
sentem remorsos na utilização de recursos públicos cada vez mais escassos, a
operação da Polícia Federal que desbaratou a quadrilha que fraudava projetos
culturais jogou ainda mais lenha na fogueira. Não acredito, contudo, que a
saída seja a sua extinção. O incentivo fiscal tem seu papel dentro um
planejamento estratégico de fomento às artes no país, embora este papel deva
ser reavaliado tendo em vista novas concepções de políticas públicas de cultura
surgidas, sobretudo, a partir das gestões Gil/Juca quando o Estado passou de
mero coadjuvante, arroz de festa, a protagonista do processo. Simplesmente
acabar com este instrumento não resolverá o problema do financiamento público
da cultura brasileira, ao contrário, jogará por terra, muito provavelmente,
projetos inclusivos que deixarão de ter aporte financeiro da iniciativa
privada, ainda que através de recursos incentivados.
O mais recente escândalo da Lei Rouanet
não significa que o equívoco está na sua própria natureza, mas sim o mau uso
que alguns dela fazem uso. Também deixam claro, ao que tudo indica, que o corpo
técnico responsável pela análise e fiscalização dos projetos não consegue dar
conta da demanda, revelando também o processo de sucateamento das estruturas do
Ministério da Cultura. Esta é, portanto, mais uma oportunidade que temos de
pressionar pela aprovação do Procultura e, puxando a brasa para a minha
sardinha, pelo fortalecimento da Funarte, única instituição, no âmbito da
administração pública federal, responsável pelas ações de fomento às artes
brasileiras no Brasil e no exterior.
(Este texto foi publicado no portal
Cultura & Mercado,
em http://www.culturaemercado.com.br/site/leirouanet/lei-rouanet-e-funarte/)
Comentários
Parabéns pelo blog!