Celibato e pedofilia na Igreja Católica

Com certo atraso, vi outro dia Spotlight – Segredos revelados, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2016. Em resumo: um grupo de jornalistas do Boston Globe, jornal de maior circulação de Boston, cidade da costa leste norte-americana cuja população é majoritariamente católica, resolve “desenterrar”, a partir da chegada do novo editor, casos de pedofilia que aparentemente haviam sido ignorados pela justiça ou haviam sido mal explicados pelas autoridades locais e eclesiásticas. Ao longo da trama, a investigação desvenda que o cardeal à época, Bernard Law, contribuiu para a omissão de centenas de casos de pedofilia envolvendo padres ao realoca-los em outras paróquias ou em “centros de tratamento”, onde permaneciam livres para voltar a abusar de crianças inocentes. Muitas das vítimas foram pressionadas a se calar, outras tantas fizeram acordos informais com a Igreja Católica, sem que houvesse ingerência do sistema judicial terreno.  As primeiras matérias lançadas em 2002 decorrentes das investigações denunciaram setenta padres culpados de abusar de crianças em suas paróquias, o que levou à renúncia do cardeal Law em dezembro do mesmo ano. Ao fim do filme, quando sobem os créditos, é mostrada uma lista com as várias cidades em que foram registrados casos de pedofilia de padres em todo o mundo. Quatro cidades brasileiras aparecem: Arapiraca (AL), Franca (São Paulo), Mariana (MG) e Rio de Janeiro (RJ).

A coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, Regina Jurkewicz, em artigo publicado há poucos anos, afirma que as raízes da impunidade residem na própria política da Igreja Católica ao lidar com as denúncias de abuso sexual, a “política do silêncio”, que nega acusações e protege padres agressores. O Código de Direito Canônico orienta a hierarquia a manter o silêncio e até a encobrir a transgressão para evitar escândalos, buscando-se a salvação da imagem da instituição eclesiástica e do sacerdócio. Os bispos são orientados a agir com máxima discrição e, mesmo diante da necessidade de punição, aplica-la internamente, sem torna-la pública, tais punições visando ao arrependimento do agressor e ao retorno deste para o “caminho de Deus”. Ou seja, se o agressor diz se arrepender e promete não “pecar” novamente, é perdoado e retorna às suas funções. Ainda segundo Regina, um problema dessa envergadura necessita de um tratamento estrutural como, por exemplo, divulgar instâncias eclesiais da estrutura burocrática responsáveis por receber denúncias, prestar contas à sociedade sobre os casos já ocorridos, indenizar vítimas, oferecer apoio psicológico e jurídico a denunciantes e não impedir que a Justiça civil julgue abusadores sexuais que fazem parte da hierarquia católica. E termina seu texto com uma espécie de desabafo:

Nós, mulheres católicas, não queremos temer ao enviar nossos filhos à catequese ou aos inúmeros colégios católicos. Esperamos que o Papa Francisco cumpra as promessas que vem fazendo e implemente medidas para erradicar a pedofilia. Esperamos ainda que a Igreja seja um local de acolhimento e não represente mais ameaça às crianças e mulheres, atualmente ainda vulneráveis à violência sexual de religiosos.

Um pequeno passo foi dado, devemos reconhecer. O Papa Pop Francisco divulgou, recentemente, decreto que prevê a destituição de bispos culpados de "negligência no exercício de suas funções" ante casos de "abusos sexuais contra menores". Este decreto foi incorporado ao Direito Canônico.

É comum ouvirmos que o crime de pedofilia, que corrói os alicerces da Igreja Católica, seria resolvido, ou diminuído drasticamente, se fosse banida a obrigação do celibato, proposta sugerida, por exemplo, pelo tentáculo eclesiástico australiano. Se fosse assim, não haveria pedófilos casados ou solteiros não celibatários. Acho improvável e questionável “cientificamente” que “a ocasião faz o ladrão”, que um homem celibatário não possa conter seus impulsos sexuais quando em contato com crianças porque, se fosse assim, não conseguiria conter seus impulsos sexuais com adultos que considerasse indefesos. E, justiça seja feita ao catolicismo, também estariam em perigo as crianças de um jardim de infância qualquer cujo professor ou professora resolveu abster-se da alimentação metafórica de carne humana. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para os casos de abuso entre presos do sexo masculino que, “sedentos de sexo”, e por não terem contato frequente com mulheres, resolvem aliviar o apetite sexual no colega de cela. Neste caso, acredito que o que está em jogo é a luta pelo poder, pela dominação de um território, pelo exercício da força. Essa estória de instinto é conversa para boi dormir. É possível “aliviar a tensão” de outras formas, aliás, o onanismo é tão antigo quanto o mundo...

Deixemos uma coisa clara: pedofilia é uma doença, e ataca celibatários e não celibatários, heterossexuais e homossexuais.

O celibato é um problema não por incitar “instintos pedófilos”, mas por ser uma perda de tempo, por privar o ser humano do gozo físico, o êxtase inexplicável, que não cabe em palavras, a “petite mort” tão bem definida pelos franceses, aquele período pós-orgástico em que quase perdemos a consciência e transcendemos à outra realidade. O celibato é uma aberração porque deriva de outra aberração, a noção de pecado, de um crime a ser castigado por uma instância divina invisível que tudo vê e tudo ouve. O problema, portanto, é a natureza da religião, neste caso, a católica apostólica romana.

Para finalizar, uma piada:

O padre fala para o rabino:
— Vocês ainda têm aquela mania besta de não comer carne de porco?
— Sim - reponde o rabino -, esta ainda é uma das nossas crenças!
— Mas - torna o padre - o senhor nunca comeu carne de porco?
O rabino:— Bem... uma vez eu sucumbi a tentação e provei um pouco...
— Não é uma delícia? - perguntou o padre.
— Sim... sim... - respondeu o rabino - é muito boa! — fez uma pausa e depois continuou:
— Mas e vocês, católicos? Ainda continuam com aquela mania besta de não poderem ter relações sexuais?
— Sim... sim... - falou o padre - o celibato faz parte de nossa fé!
E o rabino: — Mas o senhor nunca caiu na tentação da carne?
O padre: — Bem, para ser sincero... um vez eu fraquejei e fiz amor com uma mulher...
Aí, o rabino: — É muito melhor que carne de pouco, não é?

O rabino e o padre viraram ateus.

(Licença poética)

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Comentários

Telmo disse…
Belo texto.
Reproduzimos no blog no http://sul21.com.br/
http://saudepublicada.sul21.com.br/2016/07/14/celibato-e-pedofilia-na-igreja-catolica/
Sandra Pinto disse…
Muito bom. Compartilhei.