A língua portuguesa não é para principiantes. Minha
avó materna, polonesa, costumava dizer que aprender polonês era mamão com açúcar,
suplício mesmo era aprender a conjugar os verbos no vernáculo de Camões. Eu ria
porque, como todos nós sabemos, a língua polonesa só tem consoantes, aquilo e
chinês é a mesma coisa. Eu decorava algumas palavras, algumas frases feitas,
até que não fazia feio, “muito bem”, “estou com fome”, “estou com sede”, “estou
satisfeito”, “mais água?”, “abaixa o volume”. Mas vovó tinha razão. Se digo “eu
falo”, por que não posso dizer “eu sabo”, mas “eu sei?”. Por que “troféus” e
não “troféis”? Por que “degraus” e não “degrais”? Por que “presidenta” e não “presidente”?
E, de repente, quando menos esperamos, aquele bebê que
balbucia uns grunhidos neandertalescos transforma-se num verdadeiro sapiens,
comunicando-se através de sons cada vez mais elaborados, rebuscados e pedantes.
Ouvindo mais uma das estórias do Miguel a caminho da escola, ele me manda um “flexibilidade”,
tudo bem, não é lá palavra das mais indigestas, mas saiu tão límpida, fluida,
que dei um meio sorriso e soltei um “nossa, que beleza, filho!”. E, então, ele
continua, todo orgulhoso, sua lista de palavras difíceis:
- E eu também sei falar “inconstucionalissimamente”.
- Ah, você quer dizer “inconstitucionalissimamente”.
- Isso! Inconstitucionalissimamente. E como é aquela
outra mesmo que eu acabei de falar?
- Flexibilidade.
- Isso! Flexibilidade.
Numa época marcada pela perda paulatina de nossa
capacidade de comunicação verbal, substituída por emoticons e emojis e novas
grafias que, particularmente, me incomodam bastante (vdd, kd, td, pq, vc...) ouvir
da boca de uma criança de quase oito anos uma palavra de seis sílabas no meio
de uma frase corretamente construída não é pouca coisa.
Indiscutivelmente.
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