Sim, tenho
nome de imperador, meu pelo é incrivelmente macio, meu focinho é incrivelmente
rosa, meu perfil é digno de um felino de linhagem real apesar de minha pouca
idade revelar-se no miado esganiçado, o que me faz perder pontos no quesito “ser
levado a sério” pelos humanos que moram comigo. Aquele que se diz meu pai – vejam
vocês que coisa curiosa, o sujeito tem oito anos de idade de gente e menos de
metro e meio e já se auto intitula pai, nem fazer a cama o digníssimo faz
quando acorda - gosta de me apertar nos momentos mais inapropriados,
especialmente quando estou tirando aquele ronco bacana na poltrona da sala. Fica
esfregando a cara na minha barriga, na minha cabeça, balbucia frases
ininteligíveis, aparentemente vangloriando-se de me ter como filho, o que me
orgulha, não por ele, mas por mim, afinal, gatos de pelo amarelo alaranjado ou
laranja amarelado estão no topo da pirâmide de beleza e imponência. Para chamar
a atenção, subo no móvel da televisão, atrapalho a galera que assiste aquela
série chatérrima do Netflix e ameaço derrubar a enorme garrafa de vidro entupida
de rolhas de vinho – os caras bebem que dá gosto de ver – que adorna o canto da
sala. Se sinto fome, a qualquer hora, “guardo caixão” na cozinha dando tapinhas
na tigela ou, minha estratégia preferida, toco o terror no quarto dos meus avós
lá pelas cinco da manhã (a larica da madrugada), religiosamente todos os dias
do ano, até que vovô Marcelo se manque, vovó Renata não liga pra mim e continua
tirando, olimpicamente, seu merecido ronco.
Sim, meu nível
de paciência é baixo. Que o diga papai Miguel. Dia desses, o cara resolver me
pegar sem pedir licença, meio que na grosseria mesmo, amores brutos (eu ia
dizer “amores perros”, os entendidos na língua de Cervantes sabem que “perros”
significa cachorro, em alusão àquele filme mexicano, mas seria melhor falar de “amores
felinos”) e não queria me largar de jeito algum. Sabe como é, comecei a me
sentir sufocado, claustrofóbico, miei na educação, e a síndrome de Felícia mandando
ver. Não teve jeito. Tasquei-lhe uma unhada na cara que, num primeiro momento,
passou despercebido pelo pirralho. Felizmente, ele me largou e foi pra sala.
Foi aí que vovô Marcelo pergunta ao papai o que havia acontecido com a sua cara.
Pois é, estava “pintada” de vermelho. Sabe aqueles bebês que tropeçam e caem no
chão e só começam a chorar quando os adultos chamam a atenção para o fato de
ele ter caído no chão? Então, aconteceu a mesma coisa. Vovó Renata, percebendo
o que aconteceu, levou papai para o banheiro e começou a limpar a área do talho,
ele começou a chorar, claro, a assepsia ardia. Foi mexer com a pessoa (?) errada,
deu no que deu.
Aparentemente,
o episódio do Scarface deu sorte ao papai. Horas depois, subiu ao pódio do
tradicional torneio de futebol de botão da pracinha São Salvador. Temos de
repetir a dose, quem sabe na próxima ele sai campeão?
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