O futebol é o futebol é o futebol. E só.

Políticos inescrupulosos e ditadores costumam utilizar-se do futebol para desviar a atenção da população dos seus reais problemas cotidianos. Todos nos lembramos do açougueiro Médici e seu indefectível radinho de pilha, da ingerência política na escolha de jogadores da seleção canarinho do então técnico João Saldanha, defenestrado do cargo por negar-se a aceitar tal ingerência, do infame “Brasil, ame-o ou deixe-o”, do uso e abuso da seleção brasileira de futebol como representante de um país que dava certo, ordem e progresso. O futebol como encarnação da alma nacional, a famosa pátria em chuteiras que o divino Nelson Rodrigues ajudou a cristalizar no imaginário popular, reproduzida ad nauseam por locutores histéricos e narradores nacionalistas sem a menor ideia do que é a nação em que vivem.

Aqui pertinho, na Argentina, o histórico também não é dos melhores. Em 1978, enquanto o ditador Jorge Rafael Videla inaugurava a Copa do Mundo no estádio Monumental, ali pertinho, nas instalações da Escola de Mecânica da Armada – ESMA, presos políticos, “subversivos”, eram torturados. A Argentina sagrou-se campeã, a população saiu às ruas para comemorar o triunfo. Venceu a alienação, pão e circo. Um dos presos políticos que esteve na ESMA, em 1978, Juan Gasparin, confirmou a existência de salas de tortura e o esquema para escondê-los. Segundo ele, no dia da final entre Argentina e Holanda, os militares deram sinais de flexibilidade e colocaram uma TV para que os presos acompanhassem o jogo. "No fim, comemoramos e nos abraçamos, mas, naquele clima de conquista, ninguém escutava os gritos dos torturados dentro dos centros de detenção. Estavam todos surdos."

Por isso, por essa macabra relação entre futebol, política, nacionalismo e violência, é, no mínimo, insólito, o pedido feito pelo atual técnico da seleção argentina, Jorge Sampaoli, aos dirigentes da Associação de Futebol Argentino. Diante dos maus resultados dos últimos jogos, que colocam a “celeste y blanca” na zona de repescagem para a Copa do Mundo de 2018, obrigada momentaneamente a disputar uma vaga com a Nova Zelândia, Sampaoli solicitou que, diante da Venezuela, ontem, no mesmo Monumental que recebeu a final da Copa de 1978, o hino nacional fosse tocado em sua versão completa. Para o técnico argentino, o hino e a bandeira são símbolos da identidade nacional que podem, através do futebol, restabelecer o vínculo do torcedor com a desacreditada seleção.  

Os caras não aprendem mesmo. A Argentina conseguiu empatar com o último colocado das eliminatórias sul-americanas. O hino foi tocado em sua versão completa, mas os jogadores da bicampeã mundial, léguas superiores tecnicamente aos rivais, foram incapazes de vencer a seleção de um país cujo esporte favorito se joga com um bastão e uma bolinha. Sem falar, é claro, na obsessão pelos concursos de Miss.


Que venham os bumerangues, né, Messi?


Sobre a ESMA: http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,onu-revela-detalhes-de-abusos-na-copa-de-78-imp-,1097510

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