Às vésperas do jogo com o Peru, válido pela penúltima
rodada das eliminatórias sul-americanas para a Copa 2018 e que poderia decretar
a eliminação da seleção argentina em caso de derrota, embora o encontro fosse
realizado em Buenos Aires e no mítico estádio do Boca Juniors, o atacante Kun
Agüero envolveu-se num acidente insólito. Dias antes de apresentar-se,
juntamente com os demais companheiros, ao técnico Sampaoli, Agüero, que joga no
Manchester City, da Inglaterra, tomou um jatinho particular para ver o show de
um cantor colombiano na cidade de Amsterdã, capital holandesa, num curto voo de
cerca de uma hora. Quando retornava ao aeroporto, o táxi onde estava bateu num
poste e o atacante acabou fraturando a costela.
A imprensa esportiva argentina entrou em polvorosa,
caindo-lhe de pau. O atacante foi duramente criticado, chamado de imprudente, irresponsável
por não se resguardar tanto para os compromissos decisivos que esperavam a
seleção nacional quanto para os compromissos do clube que lhe paga o salário,
que enfrentaria o poderoso Chelsea antes mesmo de sua apresentação em Buenos
Aires. Também houve quem o criticasse por seu estilo de vida, esbanjador, fazendo
piada com o fato de o jogador estar num táxi quando, no mínimo, poderia ter
voltado ao aeroporto de helicóptero. Humildade ou sovinice numa hora dessas?
O problema, a meu ver, não é em quê o jogador milionário
gasta seu dinheiro, mas possíveis desdobramentos éticos do estrelato, da fama,
que transborda para comportamentos autoritários e antissociais.
Há uma parcela de jogadores de futebol, no Brasil e no
exterior, que vivem numa espécie de universo paralelo, frequentam ambientes e gastam
fortunas numa simples refeição que os pobres mortais sequer imaginam. Habitam,
verdadeiramente, uma casta, transformados, muitos deles, em estrelas
instantâneas cujo chama se apaga em pouco tempo, embora os bolsos estejam
cheios e paguem, tranquilamente e sem muita preocupação em poupar alguns
caraminguás, as despesas até a quinta geração de descendentes. Meu cantor
favorito está à uma hora de voo? Aguenta aí que eu estou chegando. Já li
depoimentos de ex-jogadores que relatam a dificuldade de conviver com o
ostracismo, com o não reconhecimento, saudosos da época em que não pagavam as
contas do restaurante, da loja de roupas de grife, das mulheres fáceis que
faziam de tudo (mesmo) para os cinco minutos de fama e/ou um bebê na barriga. No
ápice da carreira, o céu é o limite, na verdade, esta casta se vê acima do bem
e do mal, das leis do Homem.
Há muitos anos, entrei num vagão da linha 2 do metrô
do Rio, na estação de São Cristóvão. Havia um senhorzinho em pé, embora o vagão
não estivesse cheio. Aquele rosto me era familiar. Parece que a muitos outros
passageiros também, porque percebi vários deles encarando-o. Era Nilton Santos,
a Enciclopédia. Um cidadão comum, possivelmente utilizou seu cartão de
gratuidade para maiores de 65 anos. Estúpido, deixei passar a oportunidade de
lhe dar um abraço. Sim, um cidadão comum que, numa época da vida, jogou bola e
foi bicampeão do mundo. Homem de carne e osso.
A postura da Enciclopédia contrasta, por exemplo, com
o atacante Robinho, atualmente defendendo o Atlético Mineiro, e cujo currículo
inclui o time do Santos campeão brasileiro de 2002, o Real Madrid e o Milan,
além da participação em duas Copas do Mundo pela seleção brasileira. Irritado
com a marcação de um adversário no jogo de ontem, contra a Chapecoense,
perguntou insolentemente ao pobre diabo onde já havia jogado, “Jogou onde? Jogou
onde?”, demonstrando desrespeito por um colega de profissão e a soberba de quem
se coloca num degrau acima da escala civilizatória, especialmente num país onde
o conceito de cidadania ainda não é bem compreendido pelos próprios cidadãos, abrindo
espaço para comportamentos autoritários bem ao estilo do “você sabe com quem
está falando?”, do “ponha-se no seu lugar”. Bem diferente do que aconteceu ao mais
do que famoso golfista norte-americano Tiger Woods, preso por dirigir sob o
efeito de altas doses de medicamento e que, num primeiro momento, parecia
bêbado. Woods foi fichado e fotografado. Quem ele pensa que é, não é mesmo?
Robinho sente o cheiro do ostracismo
e não se conforma. Não se conforma em ser mais um na multidão. Pedala, Robinho.
E, de preferência, para bem longe daqui.
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