Imagine-se você um turista querendo conhecer o Rio de
Janeiro. Assim que desembarca no aeroporto do Galeão, após passar pelo controle
de passaporte e alfândega, é recepcionado por um protesto de policiais civis e
militares e bombeiros que reivindicam o pagamento de salários em atraso e
melhores condições de trabalho. Exibem uma faixa com a frase “Welcome to Hell”
(Bem-vindo ao inferno), um trocadilho com a palavra “Rio”. “Hell de Janeiro”. Há,
também, alguns bonecos manchados de vermelho, representando policiais mortos em
serviço, mais de cinquenta até o mês de junho. A um mês das Olímpiadas, o
protesto é apenas um dos inúmeros exemplos que confirma, se não o despreparo, o
desmerecimento da cidade para receber um evento deste porte e um desrespeito tanto
com aqueles abnegados que pretendem passar longas duas semanas por estas plagas
quanto por quem vive aqui. Sim, porque as Olimpíadas passam, e a população
local fica, entregue às baratas. Vejamos:
Vaquinha
No final do mês de junho, o governador interino do
estado afirmou que só havia dinheiro para a gasolina das viaturas da polícia até
o final daquela semana. Policiais fazem “vaquinha” para a manutenção dos
veículos, parte da frota fica parada “na base” porque não há combustível.
Também bancam do próprio bolso despesas com material de escritório e até mesmo
infiltrações nas paredes das delegacias. Ou consertam, ou não trabalham.
Resgate cinematográfico
No último dia 19 de junho, mais de vinte homens,
armados com fuzis, pistolas e granadas, invadiram o hospital municipal Souza
Aguiar, no centro do Rio de Janeiro, a menos de um quilômetro da Secretaria de
Segurança Pública, para resgatar um traficante conhecido como Fat Family. Durante as Olimpíadas, o hospital municipal vai ser umas das
referências em atendimento médico e vai dar suporte à região do estádio do
Maracanã. Na
caçada pela recaptura do bandido, os policiais localizaram a casa onde estava
recebendo cuidados médicos, mas não tiveram o apoio do helicóptero durante a
ação. Dos três helicópteros da Polícia Civil, apenas um é blindado. O
equipamento, parece, está parado por falta de manutenção. O
governador interino se disse “frustrado” com a situação. E nós, governador?
Plagiando um dos episódios do Porta dos Fundos, estou “profundamente irritadiço”.
Arma na cabeça
Em
dezembro de 2014, as britânicas Hannah
Mills e Saskia Clark, velejadoras campeãs mundiais e medalhistas olímpicas,
foram abordadas por dois homens armados com facas e tiveram vários pertences
roubados. Em maio deste ano, os atletas espanhóis
Fernando Echávarri Erasun e Tara Pacheco e o treinador Santiago Lopez Vázquez foram
assaltados por cinco homens no bairro de Santa Teresa. Em junho, a
paratleta australiana Liesl Tesch, que disputará as provas de vela nas Paralimpíadas,
sofreu um assalto à mão armada enquanto andava de bicicleta no Aterro do
Flamengo. Liesl conseguiu nos constranger ainda mais, com humor ferino, ao
dizer que talvez estivesse mais segura nas águas poluídas da baía de Guanabara do
que nas ruas da cidade. Culpamos as vítimas? Deram azar? Hora errada no local
errado? Assaltos acontecem em qualquer lugar do mundo? Cinismo.
Mar de cocô
E por falar na baía de
Guanabara... Em agosto
de 2015, o velejador sul-coreano Wonwoo Cho passou mal num evento-teste nas suas
águas fétidas e foi levado ao hospital. No final do ano passado, o holandês Dorian
Rijsselberghe, campeão olímpico em Londres 2012, após vencer uma competição, cuspiu
marimbondos a quem quisesse ouvir sobre os perigos que os atletas corriam naquele,
literalmente, mar de bosta. A despoluição da baía de Guanabara era uma das
metas ambientais descritas na candidatura apresentada pelo Rio de Janeiro para
sediar as Olimpíadas, em 2009, além do plantio de 24 milhões de mudas para
recuperação da mata atlântica e a melhoria da qualidade da água da lagoa
Rodrigo de Freitas para uso dos banhistas. Nenhuma dessas metas foi atingida.
Pragas do Egito
A epidemia de
dengue, zika e chikungunya. Você, sendo atleta de elite, ou um atleta qualquer
que viesse apenas para curtir uma praia, tomar uma caipirinha e pegar umas
brasileirinhas na praia de Copacabana, acreditaria, realmente, nas incompetentes
autoridades sanitárias locais que sequer conseguem manter a cidade livre de um
mosquitinho capaz de levar-nos à morte, com a ajuda de boa parte população,
irresponsável, cúmplice, sem consciência cidadã, que não faz o dever de casa de
manter casas e ruas limpas? Muitos já desistiram, e fazem muito bem.
Desgraça pouca e bobagem.
Segundo o virologista Pedro Vasconcelos,
diretor do Instituto Evandro Chagas, há o risco de outros vírus entrarem no país
com os turistas e atletas que virão para as Olimpíadas, oriundos de duas
centenas de países. Segundo ele, há pelo menos vinte destes vírus que são
transmitidos pelo Aedes aegypti, em circulação na África, Ásia e Oceania.
O vírus da zika, por exemplo, ao que tudo indica, entrou no Brasil durante a
Copa das Confederações, em 2013. Sarampo, poliomielite, vírus do oeste do Nilo,
febre amarela, coronavírus, e a lista segue. As UPAs dão conta, certo?
Radinho
de pilha
Na semana
passada, dois contêineres com equipamentos de transmissão de TV, pertencentes a
duas emissoras alemãs e avaliados em cerca de R$ 20 milhões, foram roubados na
Avenida Brasil, principal artéria viária da cidade do Rio de Janeiro, quando seguiam
para o Parque Olímpico. Policiais militares conseguiram localizar a carga
roubada pouco tempo depois. A Secretaria de Segurança Pública lavou as mãos, informando, através de nota, que
nunca houve pedido de nenhuma autoridade do COB (Comitê Olímpico do Brasil)
para antecipação do período operacional de segurança dos Jogos. Saudades
do radinho de pilha, emoção garantida. Televisão pra quê?
Estado de sítio
Liberdade de ir
e vir? Seis bandidos armados com pistolas fizeram
um arrastão no bairro de Botafogo, na zona sul, na última sexta-feira, por
volta de sete e meia da manhã, deixando apavorados os motoristas que estavam
presos em um congestionamento. Os que decidiram fazer o boletim de ocorrência
tiveram a desagradável surpresa de constatar que não havia papel na delegacia
para a impressão de cópias. No bairro de Jacarepaguá, na zona oeste, famílias tiveram
de sair de uma casa de festas escoltadas pela polícia militar após ameaças de
traficantes locais.
Pátria educadora
Educação falida. Mais de setenta escolas estaduais estão
ocupadas por alunos desde o mês de março, em protesto contra os baixos salários
dos professores, que já estão atrasados e são parcelados, e pelas péssimas
condições de infraestrutura de boa parte delas. A Universidade Estadual do Rio
de Janeiro, por sua vez, completou três meses de greve unificada de alunos,
professores e funcionários terceirizados, estes últimos com salários não pagos
há seis meses. O semestre, obviamente, totalmente perdido.
Em recente entrevista ao jornal O Globo, o prefeito
Eduardo Paes disse que “virou uma espécie de moda nacional ficar,
agora, criticando o Rio”. Para ele, é inaceitável artigos como o da blogueira do
“New York Times” e colunista do Estado de São Paulo, Vanessa Bárbara, que fazem
críticas descabidas à cidade maravilhosa (sic). “Não dá para aceitar. Você tem
um certo complexo de vira-lata e um monte de urubu que está querendo que o Rio
se dane”. Bom, eu não sou do New York Times ou do Estadão, eu sou
carioca há 38 anos e, apesar de ser urubu, torcedor do flamengo, não quero que
o Rio “se dane”, não tenho pudores provincianos embora tenha, de acordo com
os parâmetros do prefeito, legitimidade para desancar quem quer que seja. E não
me sinto ofendido com o que a blogueira escreveu, que a cidade é um enorme canteiro
de obras; que a estrutura da arena de vôlei “protege ladrões e turistas estão sendo
roubados atrás dela” (outro dia, acharam um pé, isto mesmo, um pé passeando
sozinho por ali); que policiais estão forçando moradores de rua para fora das
calçadas “e os estão arrastando para abrigos imundos para ‘limpar’ as ruas
antes da chegada dos turistas”; que o vírus zika é considerado problema menor,
estando uma mulher carioca exposta dez vezes mais a um estupro do que à
contaminação pelo infame mosquito.
Fora
o resto, acrescento eu.
Apesar de estar me lixando ou, como diria um amigo e
já pedindo perdão pelo palavreado, “cagando mole”, para as Olimpíadas, tenho
certeza de que o evento será um sucesso, sem dúvida. Haverá um policial para
cada habitante da cidade e para cada visitante, como foi durante a Rio-92. Os
comerciantes ganharão horrores extorquindo os incautos turistas. O prefeito e o
governador imitarão o Zagalo e reproduzirão seu célebre “vocês vão ter que me
engolir”. Fora as medalhas!!!!! Brasil!!!!!
Bem fazem Renata e Miguel, que vão curtir o friozinho
da serra neste período olímpico infernal que eu, infelizmente, terei de encarar.
Links:
Comentários
Nossa cidade está entregue ao nada. NADA de escolas. NADA de saúde. NADA de segurança. Os três pilares que deveriam nos sustentar para que tudo mais fluísse. Tristeza. Perplexidade. E um pedido de socorro.