Caindo de maduro

 

Foi num domingo emburrado e cinzento no Aterro do Flamengo que o Miguel deu suas primeiras pedaladas sem as rodinhas de apoio da bicicleta vermelha. Dia 18 de maio de 2014, quase cinco anos completos. O registro histórico foi feito pela mãe, que segurava a câmera fotográfica na esperança de que ocorresse aquilo que acabou ocorrendo. Num dos curtos vídeos, Miguel quase dá uma trombada na câmera, apruma-se de volta e, como um bezerro que acaba de ser expelido do ventre, ginga de um lado para o outro tentando manter-se em pé, cambaleante, mas, confiante. O pai sai correndo atrás, desarvorado, consciente de que estava diante de momento importantíssimo para a memória familiar:

- Firme pra frente! Firme pra frente!

E o Miguel, orgulhoso:

- Eu não falei? Eu não falei? (que conseguiria?)

E a mãe:

- Peraí, Miguel! Miguel aprendeu a andar sozinho sem rodinha na bicicleta!

E o pai:

- Devagar!

E o Miguel, preocupado:

- Eu vou virar. Eu não sei frear!

Ele parou de pedalar e a bicicleta foi lentamente perdendo velocidade, dando tempo de o pai chegar mais perto e segurá-lo, sem maiores problemas. Desde então, pegou confiança e, hoje, vai pedalando até a padaria perto de casa em busca dos salgadinhos preferidos, do pão francês e do presunto pro lanche da tarde, ou visita a tia-avó que se mudou há pouco para Curitiba, cidade agradabilíssima para se ter uma “magrela”. Ninguém desaprende a pedalar, assim como ninguém desaprende a nadar ou a beijar. Bom, o cidadão pode até pedalar, nadar e beijar mal pra diabo, mas, talvez, tudo seja uma questão de prática e confiança. No caso do Miguel, confiança até demais. Estamos falando de pedalar, certo?

Anteontem, voltávamos para casa depois de uma tarde de brincadeiras com um amigo. Ele na bicicleta novinha em folha, presente de Natal; eu, no modelo vintage azul que uso diariamente para ir e voltar do trabalho. A rua transversal, de pouco movimento e ligeiramente íngreme, o fez cometer a imprudência de impulsionar a pedalada suspendendo o corpo, quase em posição vertical. Perdeu o equilíbrio, ziguezagueou rapidamente e tombou para o lado esquerdo, caindo sobre o meu corpo. Fomos ao chão.

Após a queda, levantamos assustados. Imediatamente, Miguel começa a chorar em desespero, reclamar de dor e de ardência. Havia graxa num dos braços e eu pensei no pior. O joelho esquerdo estava ralado e começava a sangrar. Tentei acalmá-lo, dei-lhe um abraço e disse que estava tudo bem, embora fosse mera expressão de desejo. Um guardador de carros veio correndo perguntar se havíamos nos machucado, e eu não sabia o que responder. Naquele horário, embora não fosse tarde, lá pelas sete da noite, ainda claro, já não havia movimento na rua e eu só pensava em como estancar o sangue do joelho.

Então, para um carro ao nosso lado, o casal nos pergunta se precisávamos de alguma ajuda e eu emendei “água!”. Descem com uma bolsa de “primeiros socorros”, antisséptico e paninhos umedecidos. “Saímos prevenidos, temos um casal de filhos pequenos”. Bem humorados e calmos, prestam uma ajuda inestimável. Em seguida, aparece o funcionário de um curso de inglês logo ali na frente, que se oferece para guardar as bicicletas. O guidom da bicicleta do Miguel entortou e ele não tinha a menor condição de pedalar até em casa. Agradeci a gentileza e retomei um pouco da fé na humanidade.

A situação estava aparentemente sob controle. Podíamos caminhar devagarzinho até em casa, mas fiz questão de carrega-lo no colo, péssima ideia porque não estamos mais em 2014. A cada tantos metros, descarregava a jamanta de quase cinquenta quilos na calçada. Em casa, foi direto para o banho. Lavou a ferida, apertando a minha mão porque ardia bastante. A mãe foi requisitada para fazer o curativo, já que masculinidade do pai é bastante frágil e não dá conta de certos procedimentos que envolvam ferimentos e sangue. 

“Deixa de viadagem, Marcelo!”, gritam as vozes machista-patriarcais e heteronormativas que habitam a minha cabeça. Prometo que, na próxima, dou conta.

O dia histórico: 18 de maio de 2014. 





Comentários

Sonia disse…
Nossa, Marcelo! Ainda bem que ele estava com você! Solidariedade curitibana!
Unknown disse…
Tadinho,mas quem não caiu da bicicleta um dia.
Ainda bem que apareceu um casal alma boa para ajudar.
Já sou avó e iria ficar tensa também.
O importante que vivo pregando aqui é o uso do capacete.
E ainda foi aparecer uma bicicleta elétrica na minha vida para me deixar com mais cabelos brancos. Meu genro levando meu neto pra lá e pra cá.
bjs p vcs