No início
de julho deste ano, o ator Antonio Grassi deixou, pela segunda vez, a
presidência da Fundação Nacional de Artes – Funarte. A primeira passagem havia
sido entre 2003 e 2007. Como qualquer trabalhador, busca melhores condições de
trabalho, sejam elas financeiras ou não. Num rápido bate-bola com o repórter do
jornal O Globo, logo após anunciar seu afastamento da autarquia responsável
pelo fomento às artes no país e no exterior, Grassi falou um pouco de seu novo
emprego no Instituto Inhotim, na cidade mineira de Brumadinho. Questionado
sobre um possível “incômodo” com a Funarte, Grassi afirmou:
Estava inquieto há um tempo. Desejo por
novos desafios artísticos e pessoais. O Grassi burocrata obscureceu demais o
artista. O convite coincidiu com isso. Para alguém que vem das artes, é muito
desgastante se relacionar com o peso da burocracia, com a máquina pública.
Outro problema é que a demanda por ações é muito grande em todo o país, e os
recursos são muito poucos.
A César o que é de César. Grassi está
coberto de razão quando diz que os recursos são poucos, inclusive para o
“feijão com arroz”, para ações comezinhas da própria instituição, para ações
que são a sua razão de existir. Dois exemplos de uma área: 1) o Centro Técnico
de Artes Cênicas da Funarte tem como um de seus pilares a realização de
oficinas nas mais diversas áreas do conjunto estrutural das artes cênicas
(iluminação cênica, cenografia, cenotécnica, maquiagem, administração e
produção teatral, figurino e sonoplastia). Seu programa de capacitação é
pensado para as cinco regiões do país, instrutores de grande renome no cenário
das artes cênicas nacionais repassam seus conhecimentos teóricos e práticos,
promovendo assim a qualificação dos participantes, contribuindo para a
reciclagem de conhecimentos e para o despertar de vocações. Hoje, o CTAC
depende de parcerias nos municípios para enviar o oficineiro, caso ele não seja
da própria localidade (o que geralmente ocorre), porque a verba disponível
cobre apenas os custos com cachê; 2) reconhecidamente detentor de know-how na
área de consultoria técnica para elaboração de projetos de construção e reforma
de espaços cênicos, o CTAC se vê impedido de exercer esta função por falta de
verbas institucionais que arquem com custos de passagem e diárias, dependendo o
setor, novamente, de parcerias com o órgão ou instituição requerente da
consultoria.
Um segundo ponto interessante na fala
de Grassi é o “obscurecimento do artista” face às obrigações de um gestor
público. Querendo ou não, o ex-presidente da Funarte cai no velho, mas inócuo e
injusto, discurso da “malignidade” da burocracia, da “máquina pública”. Sendo
bastante didático e correndo o risco de simplificar além da conta um quadro
eminentemente complexo, pode-se dizer que a burocracia é a intermediadora
necessária e inexorável entre Estado e sociedade, é ela que põe em prática, que
executa as decisões tomadas nos âmbitos apropriados, que executa e que também
pensa as políticas públicas de determinado setor. O burocrata não é apenas
aquele funcionário que carimba papel, que digita memorandos, que atende
telefones. É também. Mas também é aquele que propõe soluções para os problemas
apontados pela sociedade e pela própria administração pública.
Tom Jobim disse, certa vez, que o
Brasil não é para principiantes. Aplicando o mesmo raciocínio à Administração
Pública, diria que ela não é para amadores, é para gestores profissionais. O
“obscurecimento do artista” é resultado de um equívoco que transcende a Funarte
ou o Ministério da Cultura, que infelizmente cala fundo na alma brasileira, a
apropriação do espaço público por interesses privados, pelo aparelhamento do
Estado através da distribuição de “cargos de confiança” (confiança de quem?),
quando o que deveria estar em discussão é a profissionalização da gestão
pública, da gestão por resultado, da gestão por índices de eficiência. A
impessoalidade e a imparcialidade são substituídas pela troca de cargos, pelo
apoio político. O lugar do artista é no palco, e não atrás de uma tela de
computador na repartição. Gilberto Gil foi a exceção, talvez.
Cada macaco no seu galho, diz o ditado.
Não é necessário ser artista para ser um bom gestor numa instituição como a
Funarte, não é necessário ser artista para saber quais são as demandas da
“classe”, daí a oferta de excelentes cursos de especialização em gestão de
políticas públicas. O artista não precisa e nem tem obrigação de saber onde há
demanda pelos seus “serviços”, cabe sim ao gestor estabelecer metas e
prioridades a partir de diagnósticos metodologicamente bem fundamentados.
A solução para o “peso da burocracia”
não é o seu fim, mas sua profissionalização e permanente atualização conforme
as melhores práticas de gestão. No Relatório de Gestão para o ano de 2011,
disponível no site da Funarte, há um quadro referente à qualificação dos seus
servidores segundo a escolaridade. Do total de 234 servidores de carreira,
apenas metade (117) possui o superior completo, quatro servidores têm nível de
aperfeiçoamento, especialização ou pós-graduação, e outros quatro servidores
têm mestrado. Erroneamente, o relatório omite, por descuido ou não, a
existência de servidores com título de doutor, o que, simbolicamente, fala
muito sobre a (falta de) importância que a instituição dá à profissionalização
do seu quadro funcional. Isto tudo sem falarmos da infraestrutura deficiente (o
edifício-sede não é adequado para as condições de trabalho dos servidores), da
baixa remuneração, tornando a carreira pouco atrativa, e da ausência de uma
política de capacitação de recursos humanos.
Criticar a máquina pública, a
burocracia, sem propor soluções é o mesmo que bater em bêbado numa ladeira. Pra
baixo, todo santo ajuda.
Também disponível em : http://www.culturaemercado.com.br
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