Sobre macacos e pássaros

Hoje, pela manhã, eu e meu filho de cinco anos assistíamos ao noticiário na televisão. Na tela, aparece uma imagem em câmera lenta, permitindo aos espectadores decifrar o que uma torcedora da equipe Grêmio gritava em direção a um jogador da equipe do Santos. Meu filho perguntou o porquê da torcedora estar falando “devagar”, do que se tratava aquilo.

Por volta dos 43 minutos do segundo tempo, o jogo havia sido paralisado quando jogadores do Santos avisaram ao árbitro da partida, disputada em Porto Alegre, que o goleiro da equipe estava sendo vítima de racismo. Imagens da televisão flagraram uma torcedora (?) gritando a palavra “macaco”. Entrevistado, o goleiro Aranha afirmou que ouviu gritos de “negro fedido”, “seu preto” e “cambada de preto” e, após, um grupo de torcedores gremistas começou “a fazer barulho de macaco”. Inacreditavelmente, o juiz da partida mandou o jogo seguir.

Achei importante desenvolver o tema com meu filho. Expliquei que a torcedora (?) estava chamando um jogador adversário de “macaco” porque este jogador adversário tinha a pele escura, como os macacos, e que a intenção da torcedora (?) era dizer que o goleiro não era humano, e sim animal. E ser animal, neste caso, era pior do que ser humano. Disse a ele que isso é uma bobagem, que o jogador de pele escura não era pior do que ser humano coisíssima nenhuma, que a diferença na cor da pele não diz nada sobre a pessoa, se é legal ou chata (claro, tive que usar uma linguagem apropriada para uma criança de cinco anos).

Meu filho arremata meu argumento com o seguinte raciocínio: “ah, é que nem a gente que tem pele branca, que não é igual a um pássaro branquinho, não é?”. Vejam que a distinção que ele fez foi entre duas espécies da mesma cor, e não espécies de cor diferente. Ou seja, ele não diferenciou brancos e negros, e sim brancos humanos e brancos não humanos. Para ele, brancos e negros são gente, pássaros e macacos são animais.

O pequeno diálogo é a prova de que o racismo é aprendido, que o ódio não corre pelas veias, mas transmitido através da (des)educação, da desinformação e da desonestidade intelectual. Afinal, estudos recentes já demonstraram que, biologicamente, indivíduos com tons de pele muito distintas podem compartilhar mais de seu código genético do que indivíduos com tons de pele semelhantes ou “iguais” (como medir, não é mesmo?). 

Meu filho tem consciência da diferença da cor da pele que existe entre ele e seus colegas. Ele diz que a dele é “branca”, e a de um colega é “marrom”. Até aí, nada de mais, é apenas uma diferença que ele percebe objetivamente. A questão surge quando esta diferença objetiva adquire um significado, passa a representar algo que vai além da simples pigmentação; passa a simbolizar, por exemplo, de um lado, maior capacidade intelectual e, do outro, a estupidez próxima ao animalesco.

O mesmo acontece com os “olhos diferentes” que ele identifica nos imigrantes e descendentes de asiáticos (outra categoria construída que não dá conta das distinções entre povos e culturas daquele continente), apenas para chamar a minha atenção de uma conversa que ele teve no parquinho perto de casa, quando se aproximou dele e de um amigo um adulto de “olhos diferentes” e seu filho. São diferentes, não inferiores. Quem sabe compartilham gostos em comum? Ele vai descobrir aos poucos.
Meu filho provou como a educação, desde cedo, é importante para a construção de um mundo melhor, onde o respeito à diferença é um valor absoluto e a convivência é estimulada.


Ganhei meu dia. 

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