No dia 7 de setembro de 1968,
cerca de 400 ativistas da Women’s Liberation Movement realizaram um protesto na
cidade de Atlantic City, no estado norte-americano de Nova Jersey. No chão do
Atlantic City Convention Hall, onde acontecia o concurso de Miss America, elas
colocaram sutiãs, sapatos de salto alto, cílios postiços, sprays de laquê,
maquiagens, revistas, espartilhos, cintas e outros instrumentos. Alguém sugeriu
que tocassem fogo em tudo aquilo, representações simbólicas da opressão
masculina que considerava as mulheres um simples objeto de desejo e consumo. O
episódio ficou conhecido como “Bra-Burning” ou “A Queima dos Sutiãs”, embora
nenhum sutiã tenha sido queimado, tampouco quaisquer dos demais objetos. No
entanto, a lenda surgiu porque, ao dar ampla divulgação, a mídia o associou a
outros movimentos “incendiários” do período, como o de liberação sexual e de
oposição à guerra do Vietnã.
A “transgressão” ao papel social
tradicional de mãe de família era mais visível na entrada das mulheres no
mercado de trabalho, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, quando
muitos homens foram para o front de batalha e o sustento da família passou a
ser responsabilidade feminina. A liberação do espaço privado da casa e a entrada
no espaço público das fábricas e escritórios foram impulsionadas pelo
surgimento das fraldas de pano, das papinhas prontas e pela popularização do
leite em pó que, existente no Brasil desde os anos 1920, teve sua produção
aumentada duas décadas mais tarde. Isto sem falar no controle do próprio corpo
e do exercício da sexualidade, a partir da criação da pílula anticoncepcional.
A pergunta “o que é ser mulher”
e, por tabela, “o que é ser homem” deixou de ser tão simples de responder, como
sugerido pelos estudos de gênero surgidos nos anos 1960 que se propunham
compreender as relações de gênero – feminino, masculino e transgeneridade –
culturalmente determinadas, não mais pela biologia. Ícone e uma das precursoras
do movimento feminista, Simone e Beauvoir dizia, em seu clássico O segundo sexo, publicado originalmente
em 1949, que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Ser mãe, por exemplo,
deixa de ser um pressuposto da identidade feminina e, para aquelas que desejam
ser, mas tem qualquer impossibilidade biológica, surge a opção da fertilização in vitro, o famoso “bebê de proveta”. Ou
ainda, para as mães solteiras, casais lésbicos ou mulheres adeptas da “produção
independente”, todas elas cada vez mais “fora do armário” porque menos
estigmatizadas e mais respeitadas em seus direitos humanos básicos, a
inseminação artificial. Para os casais gays masculinos, há a adoção e as
“barrigas de aluguel”. Consequência destas novas formas de entender a identidade
sexual ou de gênero, o que significa ser homem e mulher, pai e mãe, é a configuração
de novas estruturas familiares.
Perdoem-me os leitores, mas todo
este arrazoado foi necessário para chegar ao ponto central desta reflexão, a busca da felicidade numa sociedade
democrática em que as diferenças são, mais do que respeitadas, valorizadas, não
tem um único caminho.
E por que é importante reforçar
esta afirmação, por mais óbvia que pareça? Porque o candidato à presidência da
república, pastor Everaldo (Partido Social Cristão), afirmou ontem, em sabatina
realizada pelo jornal O Globo, que é contra a adoção de crianças por casais
homossexuais e defende, ainda, a tese de que “toda civilização está baseada nas
relações heterossexuais”. Hipocritamente, o candidato afirma ser favorável ao
Estado laico, embora se apresente como pastor evangélico.
Você está equivocado, candidato.
A transmissão de valores humanistas, de uma visão de mundo ética, de respeito
ao próximo, de valorização da diversidade cultural, independe da biologia. Pouco
importa se esta transmissão é feita por um homem e uma mulher, se por duas
mulheres, se por dois homens, se por uma mulher, se por um homem. O que
significa, hoje, a “figura paterna”? O que significa, hoje, a “figura materna”?
Cada uma dessas figuras é responsável por determinado conjunto de
responsabilidades? E quem as define? Com certeza, não a genética.
Uma família feliz é aquela
permeada pelo amor, pelo carinho, pela solidariedade, pelo respeito. Pelo
prazer. Sim, pelo prazer tanto de criar os filhos quanto pelo prazer do casal
em viver junto e desfrutar do sexo como uma benção divina (para quem acredita
em deus). Seja este casal hetero ou homo.
É difícil acreditar que alguém
ache preferível um casal heterossexual infeliz, cujos filhos vivem um cotidiano
emocionalmente miserável, do que um casal homossexual feliz, cujos filhos são
criados num ambiente amoroso e pacífico. A opção é pelo sofrimento? Quantas
tragédias históricas foram perpetradas por filhos de famílias tradicionais,
estereotipadas naquele comercial de margarina em que pai, mãe e filhos riem e
confraternizam em torno de uma linda mesa de café da manhã?
Chega de hipocrisia e
intolerância.
Mais amor, menos ódio. Mais
prazer, menos dor. Por favor.
Comentários