O mágico e o equilibrista


Uma das formas de avaliarmos a importância objetiva e simbólica de um ministério é a rapidez ou lentidão com que o presidente eleito (ou reeleito) anuncia o titular da pasta. É verdade que a definição do nome depende, infelizmente, de negociações com a base de apoio parlamentar em vez de pura e simples avaliação da capacidade técnica do pretendente ao cargo, e que isto pode levar tempo (e dinheiro público), contudo, quanto mais relevante é considerado pelo Palácio do Planalto, mais rápida é a negociação. Às vezes, política e capacidade profissional entram em acordo; geralmente, não. Em suma: quanto mais importante o ministério, mais rápido o anúncio; quanto menos importante, mais lento seu anúncio, ficando em segundo plano.

 Exemplo cristalino são o Ministério da Fazenda e o Ministério da Cultura. Enquanto o responsável pelos rumos da economia brasileira foi logo conhecido pelo público e, principalmente, pelo mercado de capitais, o responsável por implantar a cidadania cultural como dever de Estado compôs a terceira e última leva de ministros anunciados dentre os inacreditáveis trinta e nove que ocupam a Esplanada.

 A desimportância do Ministério da Cultura pode ser medida, além da demora no anúncio do ministro, pela dotação orçamentária da pasta, que não chega sequer a 1% do orçamento total destinado aos ministérios, percentual considerado mínimo pela UNESCO. E o sociólogo Juca Ferreira, que retorna ao MinC após ocupar os cargos de secretário-executivo à época em que Gilberto Gil estava à frente da pasta, e de ministro a partir de 2008 até o final do governo Lula, em 2010, sabe muito bem que a velha cantilena da falta de verbas continuará ditando o discurso relativo às dificuldades de execução das políticas públicas de cultura.

Na posse da presidente Dilma Rousseff, no Congresso Nacional, Juca admitiu que a falta de orçamento é um “problema sério”, embora tenha dito que irá “contar com o apoio dela (Dilma) de forma permanente, para que a pasta tenha o mínimo necessário para trabalhar”. Juca disse ainda que “garante o trabalho”, mas que não é “mágico”.

Juca Ferreira já mostrou ser gestor competente. Esteve à frente de discussões fundamentais no âmbito de um projeto de fomento à diversidade cultural brasileira, como o Plano Nacional de Cultura, os Pontos de Cultura e a revisão da famigerada Lei Rouanet. No entanto, a sinceridade de suas declarações, preferível às evasivas dos políticos profissionais, pode ser encarada como um banho de água fria sobre aqueles que trabalham com cultura, sejam eles gestores públicos, artistas ou público em geral. Antecipando-se à grita geral da falta de recursos federais para a implantação de programas institucionais, Juca pede desculpas por não  ser “mágico”, mas vai ter de se dedicar a outra atividade circense, a de equilibrista, porque quem sentiu o gostinho de ter respeitado seus direitos culturais não vai deixar barato. Como equilibrar demandas crescentes e recursos escassos? O que seria o tal “mínimo necessário”?

 A abnegação do novo ministro da Cultura também merece elogios, afinal, ele diz que “garante o trabalho”. De boas intenções, contudo, o inferno está cheio. Não basta boa vontade para o exercício de uma gestão eficiente, porque uma gestão eficiente só existe se a eficiência diga respeito a ações, e ações, claro, custam dinheiro. E como ser eficiente se não há dinheiro? Não se vive de brisa.


 A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que destina 2% do orçamento para o MinC é uma impossibilidade no atual cenário de crescimento econômico pífio. Já era uma miragem antes, com o país “nadando de braçada” na onda do crescimento econômico mundial. Mesmo que aprovada, a PEC será aplicada de forma escalonada: 1% no primeiro ano de vigência; 1,5% no segundo ano; 2% no terceiro. A deputada federal Jandira Feghali, que apoiou a indicação de Juca Ferreira, afirmou a necessidade de se aumentar os recursos da área reconhecendo que os recursos hoje “são absolutamente insuficientes para atender a diversidade cultural do Brasil”, boa parte deles advinda de incentivo fiscal e cujo destino é definido pelo mercado, “fica (ndo) muita coisa de fora, como os editais de fomento das artes. O montante é ínfimo, é ridículo”.

Compartilho do ultraje expresso por ela. Em tempo de vacas magras, algumas medidas poderiam aliviar o cofre minguado. A título de contribuição penso, logo, em duas. A primeira, enxugar a máquina administrativa inchada com indicações políticas acomodadas nos chamados “cargos de confiança”, produto genuinamente brasileiro como a jabuticaba, onerando o contribuinte sem a devida contrapartida de serviços prestados, tirante, obviamente, as exceções de praxe que confirmam a regra.  A segunda, reverter a verba destinada às emendas parlamentares impositivas, moeda de troca pós-moderna para o que conhecíamos por clientelismo político, para o MinC e suas instituições vinculadas, legítimos e mais indicados atores para a elaboração e implantação das políticas públicas de cultura. Pode não resolver o problema, mas acaba com a esmola feita por meio de bolso alheio. É plausível, deputada? É plausível, ministro? É mexer em vespeiro? É cutucar a onça com vara curta? Brincar com fogo? Contentemo-nos com o “fazer do limão uma limonada”?

Recentemente, tivemos o exemplo da vergonhosa derrota da seleção brasileira de futebol frente à Alemanha, provando que o jeitinho e a boa vontade dos jogadores brasileiros de nada adiantaram diante da boa preparação, em todos os sentidos, do conjunto teutônico. A metáfora futebolística se aplica perfeitamente à situação da Cultura no Brasil. Se nada for feito, sinto dizer, será mais um gol da Alemanha.



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