Em recente entrevista ao jornal O Globo, o
pastor evangélico Ezequiel Teixeira, até então secretário estadual de
Assistência Social e Direitos Humanos, afirmou, em meio às justificativas para
o fechamento de quatro centros de assistência à população LGBT, e da suspensão
do serviço de teleatendimento, que crê na “cura gay” tanto quanto na cura da
AIDS e do câncer, tal crença alicerçada no fato dele “ser fruto de um milagre
de Deus também”. Ele negou considerar a homossexualidade uma doença, embora
acredite que “todo mundo pode receber uma transformação, uma mudança”. O
governador do Rio de Janeiro se viu numa sinuca de bico e, imagino que
lamentando a sinceridade pública do pastor, fundador da igreja evangélica
Projeto Nova Vida, não teve alternativa que não exonerá-lo.
Ezequiel Teixeira exerce atualmente o
primeiro mandato de deputado federal, tendo sido eleito com nada menos do que
trinta e cinco mil votos. No editorial do informativo do seu mandato, afirma
que sua luta “não será somente pelo segmento evangélico, mas por todos os
conservadores que estão ameaçados por uma minoria que atenta contra os bons
valores e costumes, além da garantia, do respeito e da dignidade humana”. Defende
a “família tradicional e o apoio à vida” e se diz vítima de intolerância por
ser identificado apenas por sua trajetória como pastor evangélico. Sem dúvida
alguma ele é o menos responsável pela trapalhada do governador do Rio de
Janeiro ao decidir nomeá-lo uma vez que seus posicionamentos a respeito do
casamento homossexual, aborto e família nunca foram surpresa para ninguém, conforme
suas declarações no tal informativo parlamentar e, acredito, nas pregações para
seu rebanho amestrado. Respondendo ao coordenador do programa Rio Sem Homofobia,
Claudio Nascimento, Teixeira é de uma sinceridade comovente, pouco comum na
verborragia demagógica dos políticos de carreira:
Os incomodados que se mudem. Eu estou aqui e
bem. Quem é o secretário? Se está desconforme com o secretário, o que vou fazer?
Eu não o poderia ter exonerado? Eu exonerei várias pessoas… Estou tentando
caminhar — afirma, antes de destacar que, ao ser escolhido para o cargo, suas
posições pessoais já eram conhecidas. — Fui eleito com essas convicções. Fui
convidado para estar aqui. E todos que me chamaram sabiam das minhas convicções.
Até porque eu tenho convicção, mas respeito todos os outros que não têm a mesma
que a minha.
Algumas considerações.
Alguém duvida que o governador do Rio de
Janeiro cabalou votos no curral eleitoral administrado pelo agora ex-secretário?
Donde não ser plausível crermos que o governador não sabia onde estava se
metendo. Ajoelhou, tem de rezar, neste caso, literalmente. Nada de novo no
front do “toma lá, dá cá” da política, exceção feita à transferência para o
palco da plateia de nós, bobos da corte, daquilo que, normalmente, permanece na
coxia do espetáculo.
Sem dúvida, o governador do Rio de Janeiro
pesou muito bem os prós e contras de manter o pastor à frente da Secretaria de
Assistência Social e Direitos Humanos, consciente da perda de votos de parte do
rebanho evangélico que compactua com o fel destilado por seu representante. A
balança, aparentemente, pesaria mais do lado daqueles que acham que Teixeira
“extrapolou”. Estupra, mas não mata...
Não deve espantar mais a ninguém a comparação
estapafúrdia eivada de preconceito e maldade entre câncer e homossexualidade, algo
que deve ser extirpado do corpo porque leva à dor, à indignidade humana, ao
sofrimento. É parte do discurso dos “conservadores”, expressão usada pelo
próprio pastor ao definir-se a si mesmo e aos seus companheiros de marcha para
jesus. Vai na mesma linha daqueles que acreditam na equivalência entre
homossexualidade e pedofilia, ou seja, não só é uma doença, mas crime.
É ridícula a acusação do pastor de que está
sendo vítima de intolerância, afinal, só é possível combate-la fazendo-se uso
do mesmo veneno. Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, já diz o sábio
ditado popular. Devemos ser intolerantes com os intolerantes. Ademais, o ex-secretário
e deputado federal, na época da campanha eleitoral, baseava sua plataforma (alguém
dúvida?) segundo suas convicções religiosas, que deveriam permanecer no espaço
privado, diga-se de passagem, e como representante de uma das centenas de
denominações evangélicas que infestam a cidade. É inacreditável, uma aberração
esquizofrênica irresponsável e desumana nomear para uma secretaria que elabora
e executa políticas públicas de defesa dos direitos de minorias historicamente
marginalizadas um indivíduo que se coloca, vejam só, contra tais políticas e
acredita na “cura” destas minorias que deveria defender. Ironicamente, estas
minorias são uma ameaça a seu modo de ver o mundo, “que atenta(m) contra os
bons valores e costumes”, entendendo-se bem que “bons valores e costumes” são
os da heterossexualidade, família composta por pai com pênis, mulher com vagina
e filhos com respectivos órgãos genitais. Os tais “referenciais simbólicos”. E
a felicidade, que é o que importa no ambiente familiar, fica em segundo plano.
Finalmente, é lamentável que um candidato
que se apresenta com pastor evangélico arrebanhe trinta e cinco mil votos. Ele
e outros que compõem a chamada “bancada evangélica” representam parte
considerável da população brasileira que compartilha dos mesmos valores e visão
de mundo, que tem dificuldade de conviver com o “outro”, com o diferente, que é
intolerante. As minorias sexuais, apenas para ficar no exemplo que o caso do
pastor trouxe à tona, não querem converter ninguém, não ameaçam ninguém com sua
“lascívia desenfreada”, querem apenas ter seu direito humano fundamental de ser
feliz respeitado. Será o medo de sentir-se atraído pelo diferente, pelo
“estranho” que motiva episódios de violência e intolerância contra gays e
lésbicas? Medo de “gostar da fruta”? Quem não se lembra do filme Beleza
Americana, o pai machão que sucumbe aos encantos da masculinidade do personagem
vivido por Kevin Spacey?
O câncer, deputado, é outro. É a mistura de
religião e política, é o assalto do Estado brasileiro pelo que há de mais
anacrônico, atrasado, preconceituoso e intolerante quando se fala de direitos
humanos. Heterofobia? Bobagem. Todos têm seu lugar ao sol. Por enquanto.
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