No dia 1º de dezembro de 1955, uma mulher
negra de 42 anos de idade voltava para casa de ônibus após mais um dia de
trabalho. Os moradores da cidade de Montgomery, no estado norte-americano do
Alabama evitavam os ônibus municipais sempre que possível porque achavam
humilhante demais a política do “negros atrás”, que destinava a parte da frente
dos coletivos aos indivíduos de pele clara. No entanto, mais de setenta por
cento dos passageiros diários eram de negros e, naquele dia 1º de dezembro, um
desses negros era Rosa Parks. A segregação estava inscrita na lei.
A certa altura do percurso, um homem branco
subiu no coletivo e não encontrou lugar vago no espaço destinado à sua “raça”. Então,
o motorista “pediu” aos quatro indivíduos sentados na primeira fileira
destinada aos “de cor” para se levantarem, criando a seu bel-prazer mais uma
fileira para os afortunados brancos. Três “de cor” obedeceram; um não. Rosa
Parks. Dois policiais apareceram e a detiveram. No dia 5 de dezembro, Parks foi
considerada culpada por haver violado as leis de segregação, teve sua
condenação suspensa em troca de uma multa de US$ 10 mais as custas do processo.
A comunidade negra local, liderada por Martin Luther King Jr. organizou um
boicote aos ônibus da cidade de Montgomery, iniciado no dia da condenação de
Parks, que durou mais de um ano, até que a Suprema Corte dos Estados Unidos
considerou inconstitucional a legislação segregacionista vigente. O episódio
deu início ao movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, que varreu o
país nos anos seguintes.
Em 2013, o Ministério dos Transportes de
Israel decidiu instituir ônibus separados para trabalhadores palestinos da
Cisjordânia que vão trabalhar dentro do território israelense. A iniciativa foi
o resultado de pressões por parte de líderes de colonos israelenses que moram
em assentamentos na Cisjordânia que alegavam que a viagem de israelenses e
palestinos nos mesmos ônibus constituía um "risco à segurança" dos
colonos. À época, o jornal israelense Haaretz noticiou que a polícia se
preparava para implantar a separação entre as populações e, se um palestino
fosse identificado dentro de um ônibus "normal", os policiais lhe
pediriam para descer e esperar o ônibus "especial". O Ministério dos
Transportes afirmou, no entanto, que "não há qualquer instrução para
impedir os trabalhadores palestinos de viajarem nas linhas de transporte
público em Israel ou na Judeia e Samária (nome bíblico para Cisjordânia)".
Aparentemente, o plano de 2013 não seguiu
adiante porque o mais novo capítulo na tentativa de segregar os palestinos
ocorreu nesta semana, quando primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu
ordenou a suspensão do projeto de lei que os proibiria de utilizarem os mesmos
ônibus que israelenses nas linhas em direção à Cisjordânia. O projeto foi
desenvolvido pelo ministro da Defesa em resposta à pressão de colonos judeus na
Cisjordânia, que alegam, da mesma forma que há dois anos, que viajar junto a
palestinos em ônibus representa um risco para sua segurança.
Pelo projeto, palestinos residentes na
Cisjordânia que trabalham em Israel seriam proibidos de utilizar os mesmos
ônibus que israelenses no trajeto de volta para casa. Os palestinos deveriam
embarcar em ônibus especiais, que os deixariam no posto de controle da
fronteira, de onde seguiriam caminho a pé. De acordo com o Ministério da Defesa,
o objetivo da proposta era melhorar o controle entre os palestinos que deixam
Israel, além de diminuir os riscos à segurança. A segregação atingiria pelo
menos 52 mil palestinos que moram na Cisjordânia e trabalham em território
israelense. Uma fonte do governo afirmou que “a proposta é inaceitável para o
primeiro-ministro”. A oposição
israelense, nas palavras do líder Isaac Herzog, considerou o projeto imoral e
racista, “uma humilhação desnecessária e uma mancha na face do país e de seus
cidadãos” acrescentando “combustível desnecessário para a fogueira de ódio
contra Israel no mundo”.
Israel involuiu, não aprendeu nada com o
movimento pelos direitos civis iniciado há seis décadas. No próprio quintal tem
de lidar com a fúria da comunidade de judeus etíopes, vítimas sistemáticas de
discriminação por terem a pele escura, diferente da brancura dos descendentes
ashquenazitas da Europa. Muitas Rosas Parks se sublevaram recentemente nas ruas
de Tel Aviv, para protestar contra a violência policial e a desigualdade de
tratamento concedido a eles, cidadãos de segunda classe cuja renda familiar é
inferior 35% do que a média nacional.
A afirmação de que a proposta é
“inaceitável” soa, no mínimo, como uma brincadeira de mau gosto, cínica, visto
que o governo de coalizão liderado por Netanyahu tem, em suas fileiras, ultraortodoxos
que teimam em chamar os territórios ocupados pelos seus nomes bíblicos da
Grande Israel, termos utilizados, como vimos, oficialmente por representantes
do Estado. Na verdade, Netanyahu “joga para a galera”, tentando contornar os
mais à direita da direita, que não se contentam em estuprar, mas desejam mesmo
é matar. Maluf não tem voz por lá. A revogação do projeto teve menos a ver com
questões relacionados a direitos humanos do que com manchas na imagem de Israel
no exterior, mais marketing e menos ideologia, menos civilização e mais
política.
A separação entre palestinos e israelenses
nos ônibus é apenas mais um exemplo da política segregacionista, anacrônica, cheirando
a mofo, aplicada pelo governo israelense aos palestinos dos territórios
ocupados ilegalmente. Sinto vergonha alheia por um governo que reproduz o
regime de apartheid sul-africano do século passado, que o justifica em nome da
segurança nacional, que teima em manter sob seu controle uma terra que não lhe
pertence, que estigmatiza uma população inteira.
Onde
estão as Rosas Parks palestinas? Onde está a versão palestina de “Um dia sem
mexicanos”?
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cartamaior.com.br
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