(Texto escrito em novembro de 2005)
No ano passado, durante partida entre Barcelona e Villareal
válida pelo campeonato espanhol de futebol, o lateral direito da equipe catalã,
o brasileiro Daniel Alves, ao encaminhar-se para bater um escanteio, foi
alvejado com uma banana. Não se sabe qual a variedade da popular iguaria, se
prata, d’água, da terra, se mais azeda (minha preferida) ou doce. Fato é que o
brasileiro não se fez de rogado e, possivelmente com fome e necessitando de
potássio pelo desgaste físico inevitável que envolve uma partida de futebol,
descascou a fruta e a comeu.
A mensagem do torcedor era clara: quem gosta de banana é
macaco, por isso, senhor macaco, faça bom proveito desta aqui que lhe ofereço.
Seguindo-se com o raciocínio, conclui-se que o brasileiro, por ser macaco, é
inferior ao torcedor, humano. Ou, ainda que humano, é um humano inferior, mais
próximo dos símios. Pronto: a humanidade dividida em raças. Manifestações
racistas (e racialistas, acrescento) são figurinha fácil de encontrar nos
campos de futebol da Europa, seja através da modalidade lançamento de fruta,
seja através de urros que imitam sons de macacos tendo como alvo jogadores de
pele escura.
Sobre a relação entre indivíduos
de pele escura e macacos, lembro-me de Gilberto Freyre que, em Casa Grande e Senzala, dá um tapa na
cara dos racistas (e racialistas, acrescento eu novamente) quando afirma:
"Nem merece contradita séria a
superstição de ser o negro, pelos seus caraterísticos somáticos, o tipo de raça
mais próximo da incerta forma ancestral do homem cuja anatomia se supõe
semelhante à do chimpanzé. Superstição em que se baseia muito do julgamento
desfavorável que se faz da capacidade mental do negro. Mas os lábios dos
macacos são finos como na raça branca e não como na preta - lembra a propósito
o Professor (Franz) Boas. Entre as raças humanas são os europeus e os
australianos os mais peludos de corpo e não os negros. De modo que a
aproximação quase se reduziria às ventas mais chatas e escancaradas no negro do
que no branco".
Estas sábias palavras, escritas
há oitenta anos, parecem não ter entrado nos crânios enormes de “autênticos
idiotas”, na expressão do próprio Freyre. Dias atrás, ao fazer uma entrega num
restaurante do bairro da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, o motorista de
uma empresa de bebidas, juntamente com outros dois entregadores, todos eles
negros, recebeu uma banana do gerente do estabelecimento comercial. Segundo
nota publicada no jornal O Globo do dia 23 de novembro, “o gesto poderia ser
encarado como uma gentileza se o gerente não tivesse dito ‘numa homenagem ao
dia de hoje, uma banana para cada um porque vocês são tudo (sic) da mesma
raça’”. O dia a que o gerente se refere é o Dia da Consciência Negra,
comemorado na cidade do Rio de Janeiro e em várias outras cidades brasileiras em
22 de novembro. O motorista e os dois colegas foram à delegacia prestar queixa
contra o gerente, denunciando-o por racismo.
É claro que atitudes racistas
devem ser punidas com toda a severidade prevista pela legislação e, mais ainda,
ridicularizadas pela sociedade de modo a constranger o agressor numa tentativa
de fazê-lo tomar consciência de que julgar indivíduos com base na cor da pele
é, não só crime, mas moralmente injustificável e cientificamente indefensável.
O mais saudável seria abandonar
o conceito de raça como categoria de classificação da humanidade. Hoje já se
sabe que indivíduos de tonalidades de pele diametralmente opostas (como medir?)
compartilham mais genes do que indivíduos de tonalidades de pele iguais ou
semelhantes (cadê a régua de cores?). Ademais, quando se fala de raça a
associação com cultura é imediata, e não podemos reduzir a diversidade de
manifestações culturais a características físicas. O que é teatro negro? O que
é teatro branco? O que é música negra? O que é música branca? Um branco pode
ser mestre capoeira? Passista de escola de samba? Um negro pode tocar violino?
Sonho: uma sociedade não racial.
Afinal, consciência não tem cor. Incomodam-me tanto camisetas com os dizeres
“100% negro” quanto aquelas que dissessem (ainda não as vi) “100% branco”,
porque somos simplesmente 100% humanos. A cor é um detalhe de pigmentação, em
nada depondo contra ou a favor de quem a carrega tatuada na pele. Quem pensava
assim eram os racistas que a associavam com criminalidade, estupro,
inteligência.
Combater o racismo é combater a
raça enquanto meio de interpretar a diversidade social, cultural e biológica da
humanidade. Saber onde a pigmentação de minha pele está no espectro de
possibilidades da régua racial dos tribunais raciais pós-modernos (dá-lhe UnB!)
tem tanta importância quanto saber o prato favorito de Gisele Bündchen.
Vamos todos dar uma banana para
a raça!
Comentários
Discriminadores: um grupo que aumentará enquanto não houver interesse (dos discriminados e da ciência) em prevenção como vemos em:
http://saudepublicada.sul21.com.br/2016/04/01/discriminadores-um-grupo-que-aumentara-enquanto-nao-houver-interesse-em-prevencao/