Misóginos e racistas?


O governo interino de Michel Temer convive, além da pecha de “golpista”, com a acusação de ser misógino e racista. Isto porque sua equipe ministerial não conta, dentre os vinte e três nomes anunciados, com nenhum negro e nenhuma mulher. É a primeira vez, desde que a primeira mulher assumiu o comando de uma pasta de primeiro escalão, a do Ministério da Educação no governo João Figueiredo, que um presidente deixa de nomear representantes do outrora “sexo frágil” (calma, guardem as pedras). No governo Dilma foram nada menos que dez mulheres a ocuparem postos na Esplanada dos Ministérios, número que sobe a catorze quando contabilizadas eventuais interinidades. Com relação à ausência de representantes negros, a crítica se deve, sobretudo, à extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, relegado a uma secretaria no âmbito do Ministério da Justiça. Acirrando ainda mais os ânimos, a página do Facebook do agora Ministro do Planejamento, Romero Jucá, publicou uma mensagem infame: “muitos condenam a ausência de mulheres, mas sem elas a reunião (ministerial) ficou muito mais objetiva e produtiva, afinal o Brasil não tem tempo a perder”. A assessoria do Ministro informou, após a enxurrada de críticas, que a página havia sido alvo de hackers.

Isto me fez lembrar de mais um episódio da série Seinfeld, meu comediante preferido. Nele, Seinfeld marca um encontro às cegas com uma moça chamada Donna Chang, após “conhece-la” numa conversa telefônica cruzada, achando tratar-se de uma chinesa por conta do sobrenome. Jerry admite sentir-se sexualmente atraído por mulheres chinesas e, questionado por sua amiga Elaine sobre um possível racismo nesta afirmação, pergunta “como posso ser racista, se gosto da raça?”. Mais tarde, Jerry descobre que Donna Chang não é chinesa, que seu sobrenome foi encurtado do original Changstein (judia?), que ela é loura, embora reproduza uma série de estereótipos relacionados aos chineses ou, mais amplamente, aos “orientais”: tem interesse por acupuntura e, em certa ocasião, pronunciou uma palavra (em inglês) com sotaque chinês. Donna também conversa com a mãe de George, amigo de Jerry, convencendo-a a não separar-se do marido, citando as sábias palavras de Confúcio, mas, ao ser introduzida pessoalmente à Donna, a mãe de George percebe que havia sido “enganada”: “Eu achava que estava recebendo conselhos de uma chinesa. Eu não recebo conselhos de uma moça qualquer de Long Island”, desistindo de desistir do divórcio.

A luta contra o preconceito de gênero e de raça é fundamental e o ganho de protagonismo de grupos historicamente marginalizados deve ser louvado sempre. Meu questionamento é com o equívoco de, em nome do respeito à diversidade, à diferença de identidades sociais e culturais, naturalizá-las a ponto de definir-se a prioristicamente quem pode e quem não pode falar em nome deste ou daquele grupo. Negros falam por negros; judeus falam por judeus; mulheres falam por mulheres; chineses falam por chineses. Mas samba, futebol e capoeira não é patrimônio cultural exclusivamente negro, ou melhor, de pessoas de pele escura; música clássica não é herança genética de russos, austríacos ou alemães; a acupuntura não é monopólio de chineses. Minha mulher, descendente de baianos e piauienses, faz uns pratos judaicos que devem ser comidos de joelhos, agradecendo-a pelo néctar concedido. Judia? Pois sim…

A luta contra o preconceito não pode promover estereótipos ao reforçar a ideia do “cada um no seu quadrado”. Não vejo, a princípio, qualquer problema em termos um ministro branco à frente de uma pasta voltada à promoção da população negra brasileira, tampouco acho um acinte um homem à frente de um ministério que cuida de assuntos de interesse das mulheres brasileiras. Tampouco vejo problema em termos negros e mulheres em quaisquer das dezenas de pastas disponíveis. O argumento de que é preciso eleger mais mulheres para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal simplesmente porque são mais da metade da população brasileira não faz sentido, porque os adjetivos que nos importam são, dentre outros, “eficiente”, “honesta”, “laica” (esse fica por minha conta). Ser mulher, por si só, não é atestado de idoneidade ou inidoneidade. Se for assim, e se concordarmos com a expressão “vento que venta lá, venta cá”, estão certos os que defendem o afastamento de Dilma da presidência da república, afinal, ela é mulher.

O problema maior é, sim, a extinção das pastas que cuidam de pautas específicas ou, caso seja provado, o machismo que norteou as escolhas do presidente interino. Isto que tem de ser criticado, o esvaziamento político destas demandas, a retirada destas reivindicações como problemas porque, ao deixarem de ser tratados como problemas, somem automaticamente da agenda política. Ser bom gestor, conhecer a realidade sobre a qual se quer atuar e, consequentemente, partilhar de valores importantes na construção das políticas públicas levadas adiante pelo governo, eis os pré-requisitos fundamentais que deveriam nos interessar.

O politicamente correto é legal até a página dois. Na página três somos obrigados a reescrever a expressão “encontro às cegas”, usado neste texto, já que não existem cegos, mas deficientes visuais. Ou será que o fato de eu ser homem, branco e de olhos claros me turva a realidade, tal qual a Alegoria da Caverna?



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