Há certas coisas que só valorizamos quando começam a faltar.
O ar que respiramos, por exemplo. Não tem cheiro e não tem cor, mas sentimos
sua falta quando passamos por um ambiente poluído ou quando, acometidos de um
resfriado ou uma gripe, ficamos com o nariz congestionado e, instintivamente,
passamos a respirar pela boca. Que o digam, também, aquelas pessoas que sofrem
de rinite, sinusite e quaisquer outras destas malditas doenças respiratórias. O
mesmo apreço tardio temos com a água que “damos de lambuja”, que acreditamos
estar lá na torneira ou no chuveiro. Tudo
muda quando a companhia responsável pelo abastecimento de água da cidade avisa
que fará manutenção na estação de tratamento e que os milhões de habitantes da
metrópole devem se preparar para a falta do precioso líquido, recomendando que
os condomínios o racionem. E tudo muda para muito pior quando o síndico
incompetente do seu prédio não elabora um planejamento racional para a situação
de emergência. Nada mais angustiante do que chegar em casa e não saber se vai
ter água para tomar banho, escovar os dentes, dar a descarga, beber, cozinhar.
E isto numa área da cidade onde a prestação de serviços públicos é, de modo
geral, bem razoável.
A importância da água aumenta proporcionalmente à
temperatura. Quanto mais quente, maior sua necessidade. A cidade do Rio de
Janeiro viveu, em 2015, o verão mais quente em 53 anos, segundo o Instituto
Nacional de Meteorologia, com temperaturas médias de 36,4°C. No dia quatro de
janeiro, a sensação térmica chegou a inacreditáveis 57°C. Por outro lado,
choveu em apenas dezessete dias dos noventa da estação. Junto com o calor veio
a falta d’água, assolando vários bairros da cidade que passaram a depender de
carros-pipa, cuja água nem sempre é de boa qualidade, e da solidariedade e boa
vontade de vizinhos que tinham reservatórios. O presidente da Companhia
Estadual de Água e Esgoto, responsável pelo abastecimento de água no estado,
como era de se esperar, eximiu-se de qualquer responsabilidade e preferiu
culpar o forte calor, que provocou o aumento de consumo e consequente falta em
determinados bairros.
Leio matéria no jornal O Globo, “Crianças nascidas na Cúpula
de Copenhague temem pelo futuro”. Diz que, às vésperas da Conferência do Clima
de Copenhague, em 2009, o jornal britânico The
Observer mostrou como mudanças climáticas podiam afetar diversas famílias
em todo o mundo, que tiveram filhos pouco antes do encontro internacional.
Agora, a reportagem revisita as crianças e mostra como elas precisarão lidar
com os impactos ligados ao aquecimento global. Secas cada vez mais extensas,
nível do mar subindo, geleiras menores e cada vez menos alimentos disponíveis.
No Brasil, voltaram ao povo indígena Macuxi, cujo território
fica no norte do estado de Roraima, perto da fronteira com a Venezuela. Denislania
da Silva, hoje com seis anos, frequenta a escola, brinca com seus cinco irmãos
e irmãs e quer um dia ser professora. Sua mãe, Elisa da Silva, diz que “o tempo
mudou muito”, cada vez mais seco, não parecendo haver diferença entre verão e
inverno, constantemente seco.
Antigamente, havia uma estação de chuva e o verão. O rio
costumava ser abundante, mas de repente secou. Os peixes que costumávamos
apanhar desapareceram. Os animais selvagens também estão fugindo, tudo por
causa da estiagem. Às vezes penso se Deus nos quer matar com a seca.
No continente africano, espera-se que, até 2020, mais de 75
milhões de pessoas sofram com a escassez de água. Em 2009, nasceu Olomaina,
filho de Noomirisho Mutonka, do povo Masai, habitantes ao sul da capital
queniana, Nairóbi. À época, a família estava preocupada com as secas cada vez
mais prolongadas. A situação piorou: das 284 cabeças de gado que tinham há seis
anos, 271 morreram. Noomirisho teme o pior:
"Se a seca continuar, todos os nossos animais vão morrer e
ficaremos sem nada. Não teremos dinheiro para pagar a comida dos nossos filhos.
Isto fará com que deixem de ir à escola, embora sejam o futuro desta família.
(...) No passado, chovia de abril a junho e em dezembro, por isso as nossas
barragens nunca secavam. Hoje, ficamos até dois anos sem chuvas. Os animais
morrem durante este tempo".
Em 2009, o Timor Leste, país recém-independente da Indonésia,
de fala portuguesa, foi afetado por secas periódicas. Desde então a situação só
fez piorar. À época, o casal Joana e Armando de Oliveira celebravam o
nascimento de Fretelina. A vida já era dura, mas piorou à medida que o clima se
deteriorou, levando Armando a temer pelo futuro dos filhos.
"A comunidade fala sobre as mudanças climáticas. Há seis anos
o clima era melhor. Agora está muito quente e este calor está a ter um impacto
nas nossas vidas, nomeadamente na dos meus filhos, que não conseguem dormir bem".
A reportagem do Observer
me tocou especialmente porque também tenho um filho nascido em 2009. Fiquei me
perguntando “e se fosse conosco?”, tentei me colocar no lugar destas famílias.
Que futuro terão seus filhos? Que futuro terá meu filho? Sem água, sem luz, sem
comida, sem conseguir dormir pelo calor insuportável. Temo por eles, temo por
mim.
Outro dia, vi uma pichação que dizia “não se mate, ano que
vem tem carnaval”. Seguirei o conselho, por enquanto.
Link da matéria d’O Globo:
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