Setenta anos em sete



Ser pai, ser mãe não é fácil. Imagine a situação: a família resolve passear por uma floresta e o filho de sete anos fica atirando pedras nos outros carros que seguem pelo caminho. Como castigo, os pais pedem para que o menino desça do carro e, como castigo, deixam-no à beira da estrada enquanto o carro percorre algumas centenas de metros. A ideia de apenas dar um “susto” no pequeno endiabrado não deu certo. Ao retornar ao ponto em que o haviam abandonado, o desespero. Yamato, o japonesinho, havia sumido no meio da floresta, habitat de ursos selvagens e onde a temperatura, à noite, desce para meros 7 graus. Seis dias depois, as equipes de resgate o encontram um pouco desidratado e morrendo de fome. O pai disse à televisão japonesa que nunca imaginou que o castigo viesse a ter estas consequências. “Fomos muito longe. Os pais erraram, mas seu sofrimento, imagino, é inimaginável e, possivelmente, os acompanharão para todo o sempre.

Sem dúvida, “dar um susto” não é uma boa solução para o castigo, mas acho válido refletirmos sobre as formas de se educar os filhos e os limites a partir dos quais repreensões são necessárias e como tais repreensões serão dadas sem danos físicos e psicológicos aos rebentos. Violência física está fora de questão, obviamente. Lá em casa, quando, no meio de uma brincadeira “de menino” tomo um leve soco no queixo de meu pequeno Yamato, afinal ele também tem sete anos (mentira, faz sete anos daqui a dois dias) e urro de dor, ou quando “sem querer” ele deixa o balde de agua cai em meu dedão, minha reação é dar inúmeros murros na almofada da cama. Miguel morre de rir e, quando fica irritado comigo por qualquer motivo, também desconta nos objetos inanimados da casa, menos mal. Antes a almofada que nossos bumbuns. Violência psicológica, chantagem emocional também não vale. Se fez alguma besteira, o silêncio não é o melhor caminho, mas a conversa e o esporro, deixando-se claro que o esporro não significa rompimento da relação, que não deixaremos de ser pai e mãe dele por ter fez isso ou aquilo, porque gastou cinquenta reais em balas, um absurdo sem dúvida, mas não o fim do mundo. Tampouco deixa-lo trancado num quarto escuro para pensar no que fez, tipo cantinho do pensamento, que usamos bastante seguindo orientações da “supernanny”, mas que hoje não concordo. Talvez devamos seguir a sugestão que ouvi outro dia: se não se comportar, mudo a senha do Netflix.

Tentativa e erro. O que é “não ir longe”, como admitiu ter ido o pai de Yamato? Não tenho a resposta. Sei o que, definitivamente, não devo fazer, mas não tenho certeza se, aquilo que fizer, será sempre o mais adequado. Culpa, culpa, culpa. Culpa judaica, pior ainda. Esse é o desafio, não me mortificar a cada passo mal dado, ou melhor, não tão bem dado, na educação de nosso filho, sempre há tempo de corrigir os rumos, pegar o retorno e alterar a rota. Também é verdade que nossa responsabilidade sobre suas ações vai até certo ponto, a partir dali, o livre arbítrio passa a imperar.  Sinceramente, acho que o básico a gente está fazendo até que bem feito.

Miguel é um menino alegre, feliz, carinhoso, sorridente, com seus momentos de irascibilidade, quem não tem que jogue a primeira pedra (não é, Yamato?). No alto dos seus sete anos, pretende declarar-se à menina pela qual sempre foi gamado (ainda se usa essa palavra?) e que o abandonou este ano, indo estudar em outra escola. Pergunto se vão andar de mãos dadas. Ele solta um “para, pai!!!”. O que é namorar? Sei lá, pai. Ingenuidade. Lindo. Meu filho crescendo a olhos vistos, física e emocionalmente. Somos cúmplices. A mãe diz que não aguenta, sai pra lá Édipo!

E daí que tenho de acordar às três da manhã, cutucado pelo pequeno grande homem com sede? E daí que tenho de coloca-lo pra dormir, ainda? E daí que tenho de pedir-lhe inúmeras vezes para entrar no banho na volta da aula de basquete, suado e fedido, porque insiste em lanchar antes de qualquer coisa? E daí que tenho de implorar-lhe várias para fazer o dever de casa? E daí que tenho de aguentar seu mau humor ao ouvir um “não” qualquer? E daí ter de leva-lo ao pronto-socorro porque abriu a cabeça ou a testa? E daí tudo isso se, por outro lado, morro de rir com suas dancinhas pélvicas, fico embevecido e emocionado com os “papai, te amo”, retribuição do carinho nas costas, embriago-me com o cheiro e a pelugem de sua nuca quando fazemos conchinha, partilhamos nossa barra de chocolate favorita, trocamos olhares de aprovação e reprovação, compartilhamos segredos e descobertas.

Sete anos com gosto de setenta. Intenso, tenso. Ser pai, definitivamente, é padecer no paraíso.

Comentários

Leia disse…
Muito bom. So quem tem um "Yamatosinho" na vida sabe.