(Este texto foi escrito em 2013,
pouco antes de Miguel completar quatro anos de idade)
Cinco e meia da manhã. Ele me cutuca, eu estou deitado de
costas, viro e lhe dou um beijo na cabeça. Já não é mais necessário dizer o que
quer, eu levanto e vou até a cozinha preparar uma garrafa de leite. Preciso
acender a luz porque ainda está escuro. Quando volto, ele está deitado no meu
lado da cama, com a cabeça no meu travesseiro, fui ao vento e perdi o assento.
Peço que não faça barulho para não acordar a mãe, e que espere o toque da
alvorada do Corpo de Bombeiros que fica em frente ao nosso prédio, às seis da
manhã. É o combinado.
Eu vou dormir no quarto dele, na cama dele, ou já vou
preparar o café preto que tomo todos os dias. Não sinto mais sono, mesmo quando
acordo tão cedo. Perdi o sono há cerca de quatro anos. O dia vai amanhecendo, o
céu vai clareando, por volta de seis e meia estou com ele na sala vendo
televisão, o jornal da manhã, esperando dar sete horas, quando começam os
desenhos, cuja ordem já foi decorado faz tempo: Os Flintstones, Pernalonga,
Piu-Piu e Frajola, Tom & Jerry (ele prefere o rato, para desgosto dos pais).
Às sete e meia começa o programa dos palhaços Patati e Patatá. Ele fica
apertando o pinto, eu peço para ir fazer xixi porque segurar o xixi faz dodói
no pinto, dá ardência. Pergunto se quer comer mais alguma coisa, pode ser uma
banana, uma fatia de pão de forma ou uma bisnaguinha do Scooby-Doo com
manteiga, requeijão ou geleia, ou o resto da geleia de mocotó que comeu na
véspera ao voltar da escola, ou biscoitos de leite em formato de bichinhos ou
biscoito maisena.
Escovam-se os dentes, com quase quatro anos já tem bafo.
Preparo a homeopatia da manhã, e eventuais remédios para a alergia. Tiro seu
pijama e coloco o uniforme da escola, ponho a meia e calço o tênis. Ele
pergunta se pode levar um brinquedo, um boneco de um de seus super-heróis
favoritos, pode ser o Homem Aranha, o Capitão América ou o Hulk, a varinha do
Harry Potter, o Relâmpago McQueen (quem viu Carros
sabe do que eu estou falando), ou o Woody (Quem viu Toy Story I, II e III
sabe do que eu estou falando), a capa do Super-Homem. Senta no carrinho, coloca
o cinto de segurança sozinho e saímos os três para a escola. Passa um pouco das
oito horas da manhã. É claro que nestas duas horas e meia muita coisa já
aconteceu em casa: limpou-se a caixa de areia dos gatos, colocou-se mais água
nos seus potes, os pais tomaram banho, arrumaram as camas, tiraram o lixo,
lavaram a louça, preparam o lanche que ele leva todos os dias para a escola,
pagaram contas pelo Internet banking,
dependendo do dia da semana trocaram as roupas de cama e banho e já fizeram
compras do mês do Mundial de Botafogo. Às vezes, o beijo de bom dia só é dado
no elevador, e mesmo assim sob protestos do filho, ciumento.
Saindo do prédio, o porteiro preferido dele faz uma graça,
ele responde dando a língua. O trajeto até a escola é curto, vamos conversando,
às vezes ele finge dormir. Eventualmente passamos na locadora e devolvemos
algum filme que vimos no final de semana. Chegando à escola, o porteiro nos dá
bom dia, estacionamos o carrinho junto aos outros, a mãe pega a mochila e a
lancheira, o pai pega-o no colo. Ele fica “tímido” e demora a se desgrudar, a
tia/professora o adora e o quer pegar no colo liberando os pais que precisam ir
trabalhar. Ele vai para o colo dela, mas pede os pais de volta para mais um
beijo, e mais um, e mais um. Finalmente, vai. São oito e meia da manhã, o pai
está, invariavelmente, empapado de suor. Pai e mãe vão juntos para o ponto de
ônibus, onde ela toma a condução para o trabalho, no trajeto vão conversando
sobre qualquer tema, combinando quem vai pegá-lo no final do dia, geralmente o
pai porque seus horários são mais flexíveis. Despedem-se. O pai vai caminhando
para o trabalho.
Cinco e meia da tarde. O pai sai do trabalho e vai buscá-lo
na escola. A funcionária o chama pelo nome completo, ele vem correndo, procura
sua mochila e lancheira juntas às outras espalhadas pelo chão. Vem carregando
sozinho, arrastando-as do jeito que pode. Entrega ao pai e vai correndo em direção
à saída. Senta no carrinho. O pai puxa conversa enquanto voltam para casa,
pergunta como foi a escola, o que fez de legal, normalmente recebe como
resposta um “não sei” ou “nada”, outras vezes um “foi legal”. Chegam em casa,
tira os tênis e os coloca junto aos outros calçados que ficam perto da porta. O
pai desfaz a mochila, tira a roupa suja e pendura a toalha ainda úmida no
varal, abre a agenda para saber se há alguma observação das tias e se ele comeu
direito naquele dia. O pai toma um copo d’água e pergunta se ele quer beber
alguma coisa, um suco. Sim, toma um copo de suco de caju, abacaxi ou uva, seus
favoritos.
O pai o convence a tomar um banho, tomam juntos e brincam no
chuveiro. O pai sai primeiro, se enxuga e o deixa mais um pouco se divertindo
com os brinquedos de banho. Hora de sair, enxuga-o, primeiro a cabeça, depois o
rosto, peito, braços, pernas, sola do pé, bumbum, pinto, e ouve um “papai, te
amo”, devolvendo “também te amo, meu filho”. Coloca o pijama com a ajuda do
pai, pede para brincar com o iPad, o combinado com os pais é que tem o direito
de brincar meia hora por dia. Se não brincou de manhã, antes de ir para a
escola, pode brincar na volta. A meia hora passa, o pai oferece um lanche,
geralmente ele aceita porque o jantar na escola é dado cedo, por volta de quatro
e meia da tarde. Já passou das sete da noite. Vão para o quarto brincar de
boliche ou com os carrinhos do Hot Wheels,
dura talvez uns vinte minutos e dá vontade de ver um “filminho” antes de chegar
o sono. As opções são muitas: Os
incríveis, Meu malvado favorito, Os vingadores (desenhos), Shrek, Homem de
ferro, Harry Potter, Homem Aranha, Toy Story, Como treinar o seu dragão, Manny
mãos à obra, Deu a louca na chapeuzinho vermelho, Lucas – um intruso no
formigueiro, dentre outros.
Aos poucos, seus olhinhos vão fechando, ele deita de costas
com a cabeça na almofada e pede “carinho” nas costas. Instante depois já dorme
tranquilamente. Outra possibilidade: sugiro a leitura de um livro, um dos
vários que tem em seu quarto, recostados na cama. Ele escolhe os Três porquinhos, La casa de la bruja, ou A
aranha e a loja de balas. Ele ouve a estória e, dali a pouco tempo, deita
de costas com a cabeça em seu travesseiro e, como no sofá da sala, pede carinho
nas costas.
São oito e meia da noite. O pai vai jantar.
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