Cangurus e eletricistas


O prefeito do Rio de Janeiro não se cansa de dizer que já não é sem tempo acabarmos, de uma vez por todas, com o complexo de vira-latas que insistimos em carregar. No entanto, com o prefeito que temos, as barbaridades que fala e, pior ainda, a quantidade de trapalhadas (in) voluntárias que sua gestão comete em tempos de Olimpíadas, mas não só, fica difícil não sentirmos vergonha alheia com respingos indeléveis à nossa própria já combalida autoestima. Ainda sou carioca.

O último episódio envolvendo o fanfarrão aconteceu no último domingo.

Os australianos chegaram à Vila Olímpica, onde ficarão hospedados juntamente com as outras dezenas delegações nacionais num dos trinta edifícios do complexo, e se depararam com infiltrações, sujeira, fios elétricos expostos, corredores às escuras, cheiro de gás, banheiros bloqueados, ausência de mangueira de incêndio. Faltam duas semanas para o início da competição. A chefe de missão da Austrália, macaca velha de cinco Olimpíadas, disse que nunca viu uma vila em condições tão ruins. Resultado: foram todos para um hotel.

O quê fez o senhor Eduardo Paes?

Em vez de simplesmente pedir desculpas aos convidados, admitir o erro e cometer um haraquiri, resolveu fazer pilheria com a imagem alheia, a nossa. Disse que é “natural” que haja algum tipo de ajuste a fazer e que, para fazer os “aussie” (como diriam os Monty Python, “Austrália, Australia, Australia, we love ya”) se sentirem acolhidos, colocaria um canguru “aqui na frente pra pular na frente deles aqui”. O diretor de comunicação australiano não se fez de rogado e respondeu que não precisavam de cangurus, mas de encanadores “para dar conta dos vários lagos que encontramos nos apartamentos”.  

Se a fanfarronice, a desfaçatez, o cinismo e a boçalidade se restringissem ao alcaide, menos mal. Um “engov” seria suficiente. O problema é que, tal qual o Aedes Aegypti, o espírito zombeteiro se propaga rapidamente entre quem o circunda. A “prefeita” da Vila Olímpica teve a pachorra de dizer que “imprevistos” acontecem e que, em 48 horas, tudo estaria resolvido.

Não, senhora prefeita da Vila Olímpica. Imprevisto foi o atentado que a delegação israelense sofreu nas Olimpíadas de Munique, em 1972. O terror, por sua natureza, é imprevisível. Incompetência e irresponsabilidade, não. 

O diretor de comunicação do Comitê Olímpico Brasileiro saiu-se com uma pérola que merece destaque:

São problemas de construção. De certa forma, típicos de apartamentos novos, principalmente vazamentos e pequenos curtos circuitos da rede elétrica, que não estava perfeita. 


Não, senhor diretor. Muito antes pelo contrário! O típico em apartamentos novos é que NÃO HAJA VAZAMENTOS E PEQUENOS CURTOS CIRCUITOS. Daí ser ridículo jogar a responsabilidade na tal da imprevisibilidade, está mais parecendo o famoso jeitinho brasileiro, “ah, eles não vão reparar, qualquer coisa a gente dá um remendo”. Espera-se que, diferente do edifício Palace II, também no bairro da Barra da Tijuca, que desmoronou como um castelo de cartas em meados da década de 1990, não tenham usado areia da praia.

Pouco importa se o dinheiro usado na construção da Vila Olímpica é público ou privado. Acho até que é privado. O que importa é a forma com que os gestores públicos lidam com o público, tratando-o por idiotas úteis, úteis nas eleições, é claro.

No frigir dos ovos, a Agência Brasileira de Inteligência terá a responsabilidade de monitorar encanadores, eletricistas e gasistas porque, ao que tudo indica, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, o maior desafio dos atletas será tomar um banho quentinho.

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