Na semana passada, fiquei emocionado com a foto de um
pai dormindo embaixo do leito do filho, internado num hospital pediátrico na
cidade de York, no estado norte-americano da Pensilvânia,
depois do pequeno ter um ataque de asma que a mãe não conseguiu controlar.
Estes imponderáveis da vida me fizeram resgatar um texto-desabafo que escrevi
quando Miguel ainda não tinha completado seis anos de idade. Nem sempre o que
pensamos e sentimos é bonitinho, perfeitinho, comercial de margarina, por isso não sinto vergonha em
compartilhar com vocês o que resolvi colocar na tela do computador anos atrás.
A
quem interessa possa: estou bem melhor na minha loucura, a tempestade passou.
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Por que essa sensação de desamparo, abandono, solidão,
insegurança, medo que sinto há tanto tempo e que, agora, me atormenta quando
tenho que conviver com uma criança de quase seis anos, saudável e feliz? Por
que tenho de conviver com a sensação de que o pior está por vir e está ali na
esquina? Por que passo os dias em sobressalto, com aquela sensação de que “até
aqui, tudo bem” e que a qualquer momento serei devastado com uma notícia
terrível sobre meu filho, uma febre, um tombo na escola? Claro, se ele nunca
tem nada, quando tiver será horrível, devastador. A cada dia que ele acorda, o
processo se reinicia, a observação sobre sua condição física, se está tudo bem,
como se qualquer problema possível não pudesse começar no meio do dia, e não no
começo. Controle, controle, controle, medo do descontrole, de perder o chão, de
não saber o que fazer se alguma coisa sair dos trilhos, do planejado, da rotina.
Tenho jogado tudo sobre as costas de uma criatura pequena, que não pode arcar
com esta responsabilidade porque o pai não consegue lidar com o imponderável e
com o fato inexorável de que, uma vez vivo, tudo pode acontecer. E da
necessidade de ter de lidar com a dor, caso ela venha em algum momento, e ela
vai vir eventualmente. Por que acho que não vou conseguir lidar com a dor? É,
no limite, o medo da morte, diz a “minha” psicanalista.
Mas eu não tenho medo da morte, tenho medo do
sofrimento, do processo que pode levar à morte, de ter de passar por esse
processo sem apoio de médicos competentes, de instalações hospitalares
decentes. E projeto tudo isso no meu filho. Como se ele fosse incapaz de lidar
com um possível sofrimento que venha a passar, um resfriado, uma gripe,
qualquer coisa, uma perna quebrada, um braço quebrado. Por que essa sensação de
que não serei capaz de resolver problemas que ainda não surgiram? De novo,
“minha” psicanalista acha que eu me coloco no lugar do meu filho, fico
pequenininho e incapaz de lidar com uma realidade incômoda, embora já tenha trinta
e sete anos e, há dez, tenha saído da casa dos meus pais e, agora, já saiba
usar cheque e pagar as contas. Estou em constante estado de alerta, uma tosse
de meu filho faz meu coração disparar, a preocupação se transforma em raiva e
impotência e eu fico irritado com ele, como se ele estivesse trazendo um
problema de propósito. Claro, já não basta eu ter de me preocupar comigo mesmo,
ainda tenho que cuidar de outra pessoa... Ele diz que não gosta de tossir para
não me deixar preocupado, que coisa ridícula de se ouvir, vexaminosa para mim,
afinal, quem é o adulto da relação? Quando ele era menor, a preocupação era com
os olhos, porque ele teve conjuntivite. Hoje, se alguém tosse perto de mim ou
do meu filho, eu me incomodo, como se a contaminação fosse inevitável. Não sei
quando começou esse medo da vida, do mundo, de tudo e de todos. Lembro-me de
chorar esperando meus pais na saída escola, esperando minha mãe na saída do
curso de inglês num dia em que chovia muito.
Quando fui morar com Renata, aos vinte e sete anos,
chorei porque agora estava sozinho, sem a proteção dos adultos. Talvez tudo
tenha piorado quando Miguel passou mal pouco depois de completar um ano de
idade e passamos a madrugada na emergência, ele tomando soro. Nunca mais ele
teve nada de mais, nada que qualquer criança saudável não tenha na primeira
infância. Passei praticamente cinco anos da minha vida, desde este episódio do
vômito da madrugada, em sobressalto quase que permanente. Perda de tempo, de
energia, de alegria.
Fico-me auto enganando quando saio de casa e vou para o
trabalho acreditando que, não tendo contato direto com meu filho, não terei
contato com possíveis sofrimentos e que nada de mal vai acontecer. Os piores
acidentes dele aconteceram quando não estava conosco, ou seja, a ideia de que
“o que os olhos não veem o coração não sente” é bobagem, porque acidentes
acontecem com os olhos vendo ou não e o coração vai sentir, vou ser obrigado a
sentir e voltar para casa e resolver o problema. Por que sinto que não vou
aguentar o sofrimento de outro indivíduo por mais próximo física e
emocionalmente ele seja? Por que sinto que não serei capaz de ajudar meu filho
a lidar com um sofrimento, coisa pequena, tipo dar um medicamento para febre?
Por que a insegurança quase insuportável de não saber o que fazer quando algo
fora da normalidade acontece? Por que a primeira coisa a pensar é ligar para o
médico quando poderia esperar um pouco para saber se o desconforto vai passar
sozinho? Puta que pariu, a vontade é de sumir ou ficar em estado de torpor, um
porre permanente. Mas não resolve. É melhor estar 100% sóbrio. Não quero ser
eu, cansei de mim.
Link: http://oglobo.globo.com/sociedade/foto-de-pai-dormindo-sob-leito-de-filho-em-hospital-comove-as-redes-19670862
Comentários
"Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes". (Einstein)
Quer mudar? Então pare de repetir o que não funciona, mude o padrão, reinvente sua história.
Durante a infância das minhas meninas costumava pensar o pior para me preparar quando a "coisa" de fato acontecesse. Foi muita perda de energia!
Aos poucos aprendi a confiar no "sexto sentido", na intuição de mãe para não morrer de preocupação. Deu certo.
Minha dica pra você é ouça a voz interior e confie. Que voz? Como ouvir? O caminho é a meditação. Quando você menos perceber estará tendo os flashs intuitivos.
Outra dica, reconcilie-se consigo mesmo. Honre o homem que você é, com defeitos e qualidades e exercite a simplicidade.