Já carecas de saber, pelo menos assim espero, peço
desculpas por repetir-lhes algumas informações referentes à microcefalia. Há um
motivo para isso.
A microcefalia é uma condição neurológica rara em que a cabeça e o
cérebro da criança são significativamente menores do que os de outras da mesma
idade e sexo, condição esta normalmente diagnosticada no início da vida.
Crianças com microcefalia têm problemas de desenvolvimento. Não há uma cura
definitiva, mas tratamentos realizados desde os primeiros anos melhoram o
desenvolvimento e qualidade de vida. A microcefalia pode ser causada por uma
série de problemas, dentre as quais: malformações do sistema nervoso central; diminuição
do oxigênio para o cérebro fetal; exposição a drogas, álcool e certos produtos
químicos na gravidez; desnutrição grave na gestação; rubéola congênita na
gravidez; toxoplasmose congênita na gravidez; infecção congênita por
citomegalovírus.
Sabe-se, hoje, que a microcefalia pode ser consequência do zika vírus,
transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, o mesmo que transmite dengue e
chikungunya.
A criança com microcefalia pode apresentar as seguintes complicações: déficit
intelectual; atraso nas funções motoras e de fala; distorções faciais; nanismo
ou baixa estatura; hiperatividade; epilepsia; dificuldades de coordenação e
equilíbrio; alterações neurológicas.
O inferno na terra, não? Para os pais, para os filhos, para os parentes
próximos, para amigos da família.
Pois bem. Foram divulgados dados de uma pesquisa
realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, com 3.155 gestantes de todas as
regiões do país no intuito de mapear as demandas das grávidas brasileiras e
identificar como elas têm lidado com o vírus zika, que motivou a declaração de
emergência internacional em saúde. O projeto tem o apoio da ONU Mulheres e da
Fundação Ford. A informação que mais me chamou a atenção foi o fato de cerca de
um quarto das entrevistadas acreditar que a prevenção
não é de grande valia, pois é Deus quem decidirá se o bebê terá microcefalia.
41% das entrevistadas têm, no mínimo, ensino superior, prova de que o
alienamento da realidade não tem relação direta com o menor ou maior grau de
educação formal.
É revoltante testemunhar o quanto a
sociedade brasileira, no rastro do que vem acontecendo em outras partes do
mundo, mergulha cada vez mais profundamente em narrativas sacralizadas descoladas
da realidade sensível. De nada adiantam os avanços no conhecimento científico
aplicado à medicina porque, ao fim e ao cabo, o arbítrio está nas mãos de
alguém ou algo que não se vê e a quem é dado o poder de vida e morte. De nada
adiantam campanhas de prevenção e profilaxia, responsabilizando a cada um nós por
atitudes que contribuem ou não para o controle ou descontrole da epidemia de
uma doença, a zika, que há muito deveria estar extinta. Lavar as mãos em nome
da tutela de um pai-padrasto que pune ou recompensa de acordo com critérios
obscuros, infantilizar-se é, no mínimo, expressão de covardia atroz com quem
ainda não pode se defender.
Ouvi, certa vez, um rabino dizer que mesmo
os bebês judeus assassinados nas câmaras de gás dos campos de extermínio
nazistas mereciam, de uma forma ou de outra, a partir do julgamento “divino”, a
punição. As razões serão para sempre desconhecidas, mas o ditador celestial
(magnífica expressão de Christopher Hitchens) não se equivoca, manda quem pode,
obedece quem tem juízo. As gestantes que responderam não acreditar muito na
prevenção humana contra a aquisição de microcefalia pelos próprios filhos têm,
se não com as mesmas palavras e o mesmo teor ideológico, o mesmo discurso do
rabino. Não há o que fazer, o destino já foi traçado, só nos resta a
resignação.
Quem, conscientemente, dotado de todas as
faculdades mentais, sem microcefalia, ESCOLHE
abdicar do livre-arbítrio em nome de um poder sobrenatural opressor?
Quem está mais doente: a mãe que acredita
ser o sofrimento terreno uma espécie de provação a caminho do paraíso, ou o
filho que terá de conviver, se assim deus ou que outro nome tiver esta
eminência parda determinar, com todo tipo de dificuldades físicas e
psicológicas fruto da miséria intelectual de quem o concebeu?
Que Deus nos proteja...
Links:
http://www.minhavida.com.br/saude/temas/microcefalia
http://oglobo.globo.com/rio/um-quarto-das-gravidas-atribui-microcefalia-deus-diz-pesquisa-19834338
Comentários