Faz mais ou menos um ano. Era uma manhã de sábado e,
na Praça São Salvador, em frente de casa, marmanjos jogavam futebol de botão em
duas mesas suspensas por cavaletes que, posteriormente, soube terem dimensões
oficiais segundo padrões definidos pela Federação de Futebol de Mesa do Estado Rio
de Janeiro – FEFUMERJ. Não tinha a menor ideia de que uma das brincadeiras de que
mais gostava quando criança havia, praticamente, se profissionalizado. Não que
os jogadores federados vivam do esporte (futebol de mesa é esporte?), mas
seguem regras rígidas totalmente distintas daquelas que usávamos quando
moleques. Há campeonato carioca e campeonato brasileiro. E os botões, ah, os
botões... São lindíssimos, de tamanhos, cores e altura variados, estilizados,
feitos sob medida, artesanalmente, de acordo com as demandas do comprador. Na
onda da popularidade dos times europeus, desfilam pelas mesas da Praça São
Salvador o Barcelona, Chelsea, Liverpool, Paris Saint-Germain, Olympique de
Marselha, Real Madrid, Atlético de Madrid, Juventus, Bayern de Munique, Ajax.
Cada botão pode bater a casa de cinquenta reais, acreditem se quiser. Os mais
saudosos, por exemplo, montam seleções nacionais com os jogadores que são, na
sua visão, historicamente os melhores. Bélgica, Romênia, Brasil, Argentina,
França.
Túnel do tempo. Não tinha mesa de botão. Jogávamos no
chão da sala, no chão do quarto ou em outra superfície qualquer, os goleiros
feitos de caixas de fósforo preenchidas com pedrinhas ou outro material que lhes
desse peso; na falta do dadinho, fazíamos bolinha com papel amassado. Lembro
muito bem que, por volta dos oito, nove anos, no aniversário de um vizinho, em
sua casa (nada de casa de festas, sanduíches de requeijão e suco de caju eram
suficientes, bolo e brigadeiro) ganhei um campeonato organizado para os
convidados, mal podia acreditar na façanha porque o dono da festa era o craque
da vizinhança. Guardei, por muitos anos, o pequeno troféu, com a gravação da data
que, aos poucos, foi sumindo. Quem não tinha uma lista de goleadores do seu
time? Os marmanjos da Praça São Salvador, todos eles, com uma ou outra exceção,
amadores, têm. O meu artilheiro se chamava Bolgan, vai saber de onde tirei este
nome (?).
É engraçado observar homens adultos, sobretudo aqueles
com trinta anos ou mais, que, ao passar pela Praça, se surpreendem com aquela
aglomeração de gente em torno das mesas de botão, alguns esboçando um sorriso,
outros comentando com alguém que os acompanha algo do tipo “olha ali, jogo de
botão”, todos eles remetidos à memória de um tempo que não volta. De um tempo
em que a única preocupação era com o dever de casa (bem...) e decidir o que
fazer no final de semana.
Ou será que este tempo volta? Mesmo que através dos
nossos filhos?
Miguel foi apresentado ao universo do futebol de mesa
no mesmo momento em que eu era resgatado de minha condição de pai para a de
moleque “quatro olhos” que, nas longas férias de verão, entre um sacolé de
leite de condensado e outro, um cineminha e outro, uma ou outra ida à venda da
dona Maria pra comprar picolé de limão, pique–esconde, pique-pega, queimado (ou
queimada?), banho de mangueira, futebol, bicicleta, skate, piscina no clube do
bairro, visita à casa dos avós, visita à casa de colegas da escola,
pingue-pongue, conversa jogada fora na portaria do prédio, joelhos e cotovelos
ralados das brincadeiras, bombinhas, estalinhos e “cabeção de nego” comprados
na feira de sábado e estourados em canos de PVC dando mole na rua, ainda
arrumava tempo para jogar botão com direito a narração.
Miguel ganhou de presente um time completo, a seleção
da Alemanha, num tamanho adequado à sua idade, que vieram acondicionados num
bolsa com espaço individualizado para cada botão. Os avós paternos o
presentearam com uma mesa com pés. O avô paterno comprou uns botões avulsos
antigos e o avô materno, o time do Barcelona. Acho que o patriarca dos Gruman foi
lançado para a década de cinquenta. Brincadeira intergeracional.
Aos poucos, nosso filhote foi pegando jeito. No
início, cada palhetada zunia o botão para o lado que apontava o nariz. É preciso
uma grande sensibilidade, senso de direção e dosagem de força para usar a
palheta, além da estratégia e da tática, vislumbrar a jogada antes de
movimentar o botão, como num jogo de futebol de campo, sendo que o jogador de
botão incorpora os papéis de técnico e atleta. Não é para qualquer um. Hoje, o
moleque me ganha com cada golaço que só vendo. Outro dia, me dando uma sova de
quatro a zero, disse que seria o meu treinador. Pergunto por que e ele dispara:
“porque você está perdendo”.
Numa época em que brincadeiras analógicas coletivas estão
em extinção, em que o suprassumo da diversão é caçar solitariamente, ainda que
em grupo (a multidão solitária), bichinhos virtuais, compartilhar com meu filho
uma brincadeira infantil em 2D, barbudo e de cabelos cada vez mais brancos, é
uma fonte de prazer indescritível.
Sábado tem mais.
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