Na semana passada, foi divulgado áudio em que um
senador da república diz, em alto e bom som, que poderia indicar até mesmo uma
“melancia” para o cargo de superintendente da Secretaria de Patrimônio da União
(SPU) do Distrito Federal, afinal, ainda segundo suas sinceríssimas palavras,
“isso aqui (a SPU) é nosso. Isso aqui eu ponho quem eu quiser”. Contextualizando:
a gravação ocorreu durante discussão com servidores contrários à indicação de
um apadrinhado político do referido senador da república, sob o argumento de que
o indivíduo agraciado com a benesse do cargo público é sócio de uma imobiliária e, por isso, não poderia comandar
o órgão que administra terras da União no DF.
Divulgado publicamente o áudio, o senador da república correu
para explicar o inexplicável, e a emenda saiu pior do que o soneto. Afirmou o
representante do povo (ainda que, sendo suplente, não tenha recebido voto
algum) que o termo “melancia” refere-se a “apelido carinhoso” dado ao senhor
novo superintendente. E por que ele é carinhosamente chamado de “melancia”?
Porque é “branquinho, loiro e tem uma barriguinha”.
Você, querido leitor, querida leitora, teria a coragem de
comer uma melancia “branquinha e loirinha”? Qual seria a sua reação se o
feirante lhe oferecesse uma melancia pálida? Não ficaria com a impressão de que
a fruta está ligeiramente passada? Incomível, na língua do saudoso (!) ministro
Antônio Magri? Não ficaria tentado (a) a
denunciar o comerciante aos órgãos de defesa do consumidor?
Não, senador. Melancias não são “branquinhas” nem
“loirinhas”. Pelo menos, não aqui no Rio de Janeiro.
Também é difícil de acreditar que a tal melancia flagrada no
áudio se referisse a um ser humano qualquer. Na verdade, buscar
contra-argumentos lógicos e racionais à explicação estapafúrdia do senador da
república é bastante constrangedor e beira o ridículo, mas farei um esforço de
baixar ao seu (des) nível.
Em primeiro lugar, a melancia em questão é a fruta pura e
simples, como um poste, um objeto inanimado, porque o flagrado utilizou o artigo
definido feminino “uma”, e não o artigo definido masculino “o”. A menos que o apaniguado
tenha decidido pelo gênero feminino, o que, se for o caso, dou meu total apoio
porque vivemos uma época em que a nós é
dado o direito de ser aquilo que queremos ser, a utilização gramatical
equivocada fará corar de vergonha, além do frade de pedra, a ex-professora de
português do dono da cocada preta, digo, da Secretaria de Patrimônio da União
do Distrito Federal.
Em segundo lugar, ainda que houvesse sido utilizado o artigo
definido masculino, não faria o menor sentido dentro do contexto em que se deu
a discussão, uma vez que, aparentemente, os servidores que foram exortados a
esvaziarem as gavetas e se apresentarem à seção de pessoal do Ministério do
Planejamento “pra ver onde vai lotar esse povo lá” (um cavalheiro, pois não),
não tinham conhecimento da forma carinhosa como indicador e indicado se tratam.
Passaria por louco ou pelo alemão de piada que diz “o melancia que quiser”.
Explicações inexplicáveis, o clássico “batom na cueca” de um
lado, devaneios igualmente idiotizados e escrachados, embora críveis, de outro.
A melancia, no entanto, não é a personagem principal desta
comédia pastelão, mas a frase “isso aqui é nosso, isso aqui eu ponho quem eu
quiser”. É mais um dentre os incontáveis e, aparentemente, irremediáveis, quem
sabe mesmo atávicos e inescapáveis, exemplos de apropriação do espaço público
por interesses privados, o famoso “O Estado sou eu”, o “você sabe com quem está
falando?”, o viés patrimonialista, oligárquico e autoritário arraigado nas
profundezas da alma nacional. Sentem-se os donos do poder, e nós, os
bestializados, que pagamos a fatura no final do mês.
Como essa gente, incluída aqui a melancia, consegue colocar a
cabeça no travesseiro e dormir o sono dos justos?
São amorais.
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