A masculinidade num copinho

Há um ano, decidi, em conjunto com Renata, embora a decisão última fosse minha, quisesse ela ou não, de fechar a minha fábrica de espermatozoides. Um filho, para nós, é mais do que suficiente e mais do que prazeroso. Decisão tomada, marcamos a vasectomia para uma bela manhã primaveril. Renata foi comigo. Depois de uma curta espera no quarto do hospital, fui encaminhado ao centro cirúrgico, onde me esperavam o urologista, a quem recomendo muitíssimo, mãos de fada, o anestesista com seu humor peculiar, e a instrumentista, uma senhorinha de seus sessenta anos talvez. Situação insólita, sem dúvida, a condição humana é ridícula. Eu ali, deitado pelado, com meu amigo de todas as horas (não tenho apelido para ele, ao contrário de muitos) sendo limpo pelo cirurgião com uma esponja, puxa pra cá, puxa pra lá, ajudado pela instrumentista. O anestesista aproxima uma máscara do meu nariz e me pede para contar regressivamente de dez até um, acho que no número sete eu apaguei para acordar cerca de quarenta minutos depois. Mais algum tempo no quarto para me recuperar e voltamos para casa. Naquela noite, casais de amigos foram lá em casa para comemorar o Ano Novo Judaico e, por que não, o surgimento de um novo homem que, a despeito do que um engraçadinho disse, não estava em nada emasculado, castrado. Renata pensou em comprar uns ovinhos de codorna e amendoins, só de onda, mas deixou pra lá.

Passados quatro meses, fui ao laboratório de análises clínicas para realizar o espermograma, após uma semana de abstinência sexual, a dois ou sozinho, conforme indicação médica. A recepcionista pergunta se é exame de sangue e eu respondo “não, espermograma”. Noto um olhar de condescendência, talvez imaginasse que eu tivesse, perdão a chula expressão que certa vez ouvi em relação a Tom Cruise, “porra rala”, e que não pudesse ter filhos, quando era exatamente o contrário. Preencho um pequeno formulário e espero ser chamado. Entro por uma porta onde se lê “acesso restrito”. Passo pela ala pediátrica e entro em outra porta. Numa salinha, uma atendente me recebe e transmite as instruções para o procedimento: todo o conteúdo (!) deve ser depositado no copinho, é ideal que não haja desperdício do precioso líquido; o paninho úmido deve ser utilizado para a limpeza da região finalizada a operação, nada de limpar com a mão (?); favor anotar o horário da “coleta”. Agradeço as instruções olhando-a nos olhos, escondendo a vergonha de estar ali. Ela se comporta como se estivesse tratando do preenchimento do formulário de renovação da carteira de motorista. Entro numa saleta e fecho a porta. Um monitor de televisão passa um filme pornô e, numa bancada, algumas revistas masculinas já meio desgastadas pelo tempo (!) com a advertência “favor não retirar a revista do local”. Quem pensaria numa coisa dessas? Poucos minutos depois, o conteúdo devidamente depositado no copinho foi entregue à simpática moça e sigo para o trabalho. Resultado: o nó foi bem feito, nenhum vazamento, zerado. Um segundo espermograma, para confirmar a excelência do procedimento cirúrgico, foi realizado há poucas semanas, e o resultado continua o mesmo. Agora sim, posso correr para o abraço sem maiores preocupações, afinal, nada é cem por cento seguro.

A segunda experiência foi mais surreal: sentado à minha frente, na sala de espera, um rapaz acompanhado de uma moça, sua mulher, namorada, quem sabe. Ambos entramos ao mesmo tempo na área restrita. Ambos recebemos as instruções ao mesmo tempo. Ambos concordamos com elas. Ambos seguimos ao mesmo tempo para as saletas, cada um na sua. Ambos saímos praticamente ao mesmo tempo das saletas com os copinhos devidamente preenchidos. Não nos encaramos. A moça que o acompanhava não podia lhe dar uma mãozinha?



Por mais asséptico que seja o procedimento, por mais impessoal e burocrática que seja a relação médico/enfermeiro e paciente, o componente cultural é inescapável, daí a vergonha e o constrangimento quando expomos em público questões relacionadas à intimidade, sobretudo aspectos da sexualidade que, ao longo dos séculos, foram relegados ao mundo do tabu. Tudo é uma questão de treinamento, como a atendente que me tratou como um contribuinte em busca de informações sobre o imposto de renda. Bom, eu e o outro rapaz não tivemos esse treinamento de insensibilidade frente a determinadas situações ridículas, como depositar o esperma num copinho, por melhor que sejam as intenções, minhas e do laboratório. Saí dali aliviado (!) e certo de que, longe de ter minha masculinidade diminuída, poderei exercitar meu Eros tanto quanto quiser sem medo de ser feliz.

A masculinidade num copinho? Não é bem assim.


Vasectomia. Eu apoio.

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