Miguel e as superstições

E imaginar que a campanha do tricampeonato mundial conquistado na Copa de 1970 tenha começado com um gol de Ladislav Petras, atacante tcheco, que, isto sim, inimaginável, resolveu comemorar a façanha ajoelhando-se e fazendo o sinal da cruz. Voluntária ou involuntariamente, o gesto de Petras foi corajoso, afinal, a seleção nacional simboliza, para muitos, o Estado, e a Tchecoslováquia, naquele momento, havia condenado a religião ao inferno. Jairzinho, o Furacão, passou a comemorar seus gols da mesma forma. O sinal da cruz simboliza a graça recebida e a reafirmação da fé na Santíssima Trindade. Variação recente são os dedos indicadores apontando para os céus em agradecimento à dádiva do gol e as camisas com a inscrição “Deus é fiel”.




Dia desses, jogava bola com Miguel. Era sua vez de chutar e eu me preparava para defender o gol imaginário desenhado na parede de seu quarto. Assim, sem mais nem menos, ele faz um movimento com uma das mãos na altura do peito que logo identifiquei como uma tentativa de desenhar a cruz. Surpreso, porque em casa ele certamente não aprendeu a se benzer, um pai judeu ateu e uma mãe bruxa (daquelas queimadas na fogueira da Inquisição, não daquelas malvadas geralmente identificadas com sogras e ex-mulheres), perguntei o que era aquilo que ele havia feito e onde tinha visto alguém fazer. Os colegas da escola costumam fazer este movimento antes de chutar porque dá sorte, disse Miguel.

Expliquei-lhe que o gol depende mais da habilidade do jogador que vai chutar e do treinamento a que ele é submetido e menos de movimentos aleatórios e arbitrários, afinal, se assim fosse, os jogos terminariam inevitavelmente empatados, os vinte e dois jogadores fazendo os mesmos movimentos aleatórios e arbitrários. O Sobrenatural de Almeida, o personagem fantasma criado por Nelson Rodrigues para explicar tudo de ruim que acontecia com o seu querido Fluminense, também não pode ser levado muito a sério, a não ser por sua função de nos fazer rir das crônicas maravilhosas do Anjo Pornográfico. Já dizia o ex-técnico da seleção brasileira João Saldanha, “se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano acabaria empatado”.

O futebol brasileiro é pródigo no tema “superstições”, há para todos os (des) gostos. 

Vejamos algumas:

Jogador entrar com o pé direito.
Jogador entrar com o pé esquerdo.
Jogador se benzer antes do jogo.
Jogador tocar na grama e se benzer.
Goleiro benzer a barra ao entrar no campo.
Goleiro bater três vezes na trave com a chuteira antes do início do jogo.
Goleiro tocar nas duas traves ao ingressar no gramado.
Goleiro beijar as traves.
Treinador vestir sempre a mesma roupa.

Superstição, religião. Tanto faz.

Miguel tem que treinar mais, defendi o chute. 

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