Fato 1:
Há cerca de um ano, minha sogra nos presenteou com uma
guirlanda de “Bem Vindo” para colocarmos na porta de entrada de nosso
apartamento. Era feita de palha, patchwork e tinha aplicação de dois bonecos em
formato de gatinhos e enfeite de flores. Na
última terça-feira, Renata saiu de casa por volta do meio-dia e, ao retornar, a
surpresa: a guirlanda havia evaporado. Revoltada,
ficou sabendo, através do porteiro-chefe, que este
não foi o primeiro caso de furto, que capachos de outros moradores já haviam desaparecido
“misteriosamente”. Vizinhos relataram que o síndico “lava as mãos” dizendo nada
poder fazer para resolver a questão, cabendo a nós não colocarmos enfeite algum
na porta de entrada, cada um por si e ninguém por todos. Parece que os gatunos têm uma preferência pela
nossa porta, talvez sejam antissemitas, torcedores do fluminense, vegetarianos,
vendedores de enciclopédia, eleitores do Bolsonaro ou do Crivella, caçadores de
bruxas. Já haviam surrupiado a Hamsa (espécie de amuleto contra o mau-olhado;
para mim, um objeto de decoração), substituída pela finada guirlanda, que não
será substituída, tão cedo, por nada.
Fato 2:
Pego Miguel na escola. Ele vem ostentando um chocolate
na mão. Diz que foi presente de um amigo de sala. Andamos alguns metros e vem a
segunda versão, na verdade o amigo de sala ganhou o chocolate de um amigo e,
por não querê-lo, resolveu presentear o Miguel. Mas a verdade verdadeira estava
coçando a garganta do guri. Mais alguns metros e a terceira e definitiva
versão. Pouco antes de começar a aula de basquete, já na quadra, ele achou o
cartão magnético usado pelos alunos na cantina da escola. Cada cartão magnético
é pessoal e intransferível, é recarregado periodicamente pelos pais e, tal qual
um cartão de banco, a ele lhe corresponde uma senha. Ao balconista, disse-lhe
que a havia esquecido. Ele, de boa-fé, acreditou. Fiquei irritadíssimo.
Renata tomou a iniciativa de conversar com
Miguel e, bem ou mal, os episódios do cartão magnético e da guirlanda serviram como
exemplos bastante didáticos da importância que damos a valores como honestidade
e integridade. O que está em jogo não é, necessariamente, o montante de
dinheiro furtado ou o valor monetário do bem surrupiado, mas o princípio moral
de que aquilo que não nos pertence, a menos que solicitado ao dono, não pode
ser pego em hipótese alguma. Se não instilarmos desde tenra idade noções de
certo e errado, vejam bem, certo e errado segundo nossa visão de mundo,
corremos o sério risco de criarmos um mau cidadão, irresponsável, malandro, que
acha que se dá um jeitinho para tudo, que vai parar “só um instantinho” em fila
dupla, que vai pedir pra “quebrar um galho” na fila do supermercado, que embolsa
uma nota de cinco reais dando sopa na calçada, afinal, achado não é roubado.
Enfim, inconsciente da fronteira que deve existir entre direitos e deveres no
espaço público e direitos e deveres no espaço privado.
O pito e a posterior lição de cidadania não poderiam
ser mais atuais levando-se em consideração a degradação moral que a sociedade brasileira vive nos dias que correm. Ainda há jeito para nosso rebento. Resta-nos, agora,
descobrir o dono do cartão e ressarcir-lhe o valor subtraído.
Ah, e o próprio Miguel se deu uma punição: duas
semanas sem chocolate.
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