Ao sair de casa para o trabalho, despedindo-me de quem
ficou no aconchego do lar, neste dia chuvoso, digo ao Miguel que estou
apaixonado por ele. Chego perto para fingir tascar-lhe um beijo na boca. Ele
recua com um sorriso e diz “não sou gay, papai”. Ótima oportunidade para lhe ensinarmos
uma coisa ou outra sobre afeto. Que ser gay não se resume a beijar na boca de
alguém do mesmo sexo (ou gênero, vá lá), que vai muito além do beijo, que tem a
ver com amor, que há países em que homens andam de mãos dadas na rua e outros em
que homens se cumprimentam dando beijinhos no rosto, que tem homem que gosta de
homem, que tem homem que gosta de homem e mulher, que tem mulher que gosta de
mulher, que tem mulher que gosta de mulher e de homem, que tem homem e mulher
que não sabem muito bem o que querem da vida e não estão nem aí, que rotular
alguém é cafona.
Tentamos resumir o parágrafo acima numa linguagem
compreensível para um menino de sete anos e meio que já se envergonha quando
falamos da paixonite da escola, que aos poucos está tomando contato com sua
sexualidade, que pode ficar tranquilo porque em casa ninguém vai censurá-lo
pelas escolhas que eventualmente não sejam as nossas, que estuda numa escola em
que o respeito à diversidade sexual é um valor, os pais incomodados que tirem
seus filhos de lá. O direito ao amor, seja da forma que for, é um direito
humano.
A exclamação de Miguel não estava carregada de asco,
nem de nojo, nem de nada. Foi uma constatação. “Não sou gay”. Pode ser que sim.
Ótimo. Pode ser que não, muita água vai rolar por debaixo da ponte. Ótimo
também. Eu quero a sua felicidade, ponto. Se for torcedor (a) do Flamengo,
apreciador (a) de um bom vinho, fã do Woody Allen, de literatura brasileira, e
de algumas outras coisinhas, tanto melhor. Se não, azar o meu.
Escavando fundo no Facebook, achei uma pérola que se
encaixa perfeitamente nesta minha breve reflexão:
“Como explicar
para meu filho dois homens se beijando? Colega, você explicou que Eva nasceu de
uma costela e conversou com uma cobra. Te vira!”
Vivemos um período escabroso. Corremos o sério risco
de elegermos (a população carioca, bem entendido) um prefeito alinhado
umbilicalmente à religião, repito, à religião de uma forma geral. O fato de ser
neopentecostal é um detalhe, porque o fundamentalismo não é exclusividade da
Igreja Universal do Reino de Deus e, na realidade, nem dos representantes religiosos
e de seus respectivos rebanhos. Ou vocês acham que os eleitores do filho de Jair
Bolsonaro, que pregou ao longo da campanha o fim da “ideologia de gênero” (o
que quer que signifique isso), são carolas de frequentar a paróquia?
Praticamente metade dos eleitores cariocas votou num
bispo evangélico e no herdeiro político de um cara que, em plena câmara de
deputados, louvou a memória de um torturador confesso, que defende uma tal de “Escola
sem partido”, que só falta vestir aquele capuz pontiagudo lá do sul dos Estados
Unidos, que parece saído das passeatas da TFP – Tradição, Família e
Propriedade.
Portanto, senhores, preparem-se porque o processo de
estigmatização e criminalização de gays, lésbicas, transexuais, bissexuais, travestis,
transgêneros, ganhará força.
Pobre Rio de Janeiro.
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