Esta afirmação é facilmente comprovável ao percebermos
que, do alto de uma das paredes do plenário do Supremo Tribunal Federal,
instância máxima do Poder Judiciário tupiniquim, guardião da Constituição
Federal, insiste em pender o símbolo de uma das religiões professadas pelos
brasileiros. Que Jesus abençoe e guie as decisões dos magistrados,
perdoando-lhes em casos de má interpretação da legislação?
Os cretinos fundamentais (salve, Anjo Pornográfico!)
dirão que o Estado é laico embora a sociedade não o seja. Sim, é verdade, é o óbvio
ululante, como o comprova a eleição de um bispo evangélico para a prefeitura do
Rio de Janeiro. No entanto, quando determinadas políticas públicas são orientadas
por escolhas e gostos que, a princípio, devem restringir-se ao espaço privado,
como é o caso das religiões, e que, inevitavelmente, são elaboradas EM DETRIMENTO DE OUTROS GRUPOS SOCIAIS,
antes que em nome do respeito e convivência entre os diferentes, algo está
errado. Mais do que errado, fede.
Há muitos exemplos que comprovam a porosidade entre as
fronteiras do espaço público e do espaço privado no Brasil varonil. Para
ficarmos no campo religioso, é suficiente falarmos da criminalização da
homossexualidade e do aborto. A bancada da batina, no Congresso Nacional,
denuncia rotineiramente um suposto “complô heterofóbico”, comprovando-o com a promíscua
distribuição de “kits gay” nas escolas públicas país afora, “ensinando
homossexualismo” - esta aberração saiu da boca de uma pessoa que ‘ouviu dizer’
que o então candidato a prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, teria
incluído em seu programa de governo a disciplina “como ser viado em cinco
lições” para crianças de cinco anos -, fingindo não compreender que ser a favor
do respeito à diversidade sexual não significa, por consequência inevitável,
ser contra os heterossexuais. Homossexuais não querem matar heterossexuais, já
muitos heterossexuais...
Pior acontece no caso do aborto, cuja discussão
deveria restringir-se ao campo da política pública de saúde da mulher. No
entanto, o debate sobre a criminalização ou legalização do aborto está
encharcado de posicionamentos morais e moralizantes contaminados pela retórica
medieval da religião, a quem o Estado brasileiro e seus representantes se submetem
por pressão, por lobby, por barganhas eleitorais ou por convicção ideológica. Eis
que lemos hoje, nos jornais, com grande cobertura, que o Papa Francisco, o Papa
Pop, autorizou
que todos os padres da Igreja Católica possam perdoar o aborto. Antes,
somente bispos poderiam fazer isso. Com a decisão, quem fizer aborto - médicos
e pacientes - não será mais excomungado pela Igreja. Alvíssaras!
Ainda que esta notícia seja relevante para muitos
brasileiros, a desproporção entre interesse público (Estado) e interesse
privado (católicos) é gigantesca, sobretudo porque a forma com que as
declarações são divulgadas dá a entender que a autoridade eclesiástica extrapola
suas prerrogativas, restritas ao rebanho que a segue. Política e religião não
se misturam?
Enquanto isso, no mundo terreno, mulheres morrem por
falta de condições dignas de higiene em clínicas de aborto clandestinas, sob a
complacência e misericórdia das autoridades (in) competentes, subservientes e
cúmplices dos cavaleiros do apocalipse.
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