No aniversário de sete anos, meu filho pediu a mão de
uma amiga de colégio em namoro, tudo dentro dos conformes, com a presença de
testemunhas, a mãe da sortuda e os amiguinhos e amiguinhas que faziam votos
pela felicidade do casal. Eu estava tenso, não sabia como o pequeno grande
homem reagiria ante uma resposta negativa, traumatizado desde tenra idade. Para
a sua e nossa sorte, ela disse “sim” e, desde o dia cinco de junho deste ano,
Miguel é um rapaz comprometido. Então, perguntamos a ele “e agora?”. “E agora,
o quê?”, ele responde com outra pergunta. O que é namorar? Vocês vão ao cinema?
Você já falou com ela depois do aniversário? Em tempos pós-modernos, namoros
virtuais. Passaram cinco meses sem se verem. Namoro platônico.
Em também vivi amores platônicos na época da escola.
Tinha nove anos quando sofri uma queda da arquibancada do clube Hebraica. Caí
na quadra e fiquei desacordado por algum tempo. Esperava o início do treino de
futebol de salão dos “fraldinhas”, me desequilibrei e, plaft!, me
esborrachei. Por pouco não bati a cabeça
num dos degraus da escada que levava aos vestiários. Poderia ter sido bem, bem
pior. O treinador me carregou nos braços, me disseram que fez até respiração
boca-a-boca. Só sei que passei uma ou duas noites numa clínica em Ipanema,
cheio de dores pelo corpo, a enfermeira me dando banho, uma tragédia. Meu pai
dormindo espremido num sofá, naquele quarto gelado, um horror.
Volto para casa e recebo, de todos os coleguinhas de
sala, cartas ilustradas desejando pronta recuperação. Uma delas, a de minha
musa. Guardei-a com carinho por muito tempo, hoje não tenho a mínima ideia de
onde foi parar. E ficou nisso mesmo, platônico, de longe, ressentido. Nunca fiz
sucesso com as boas meninas judias, belas, recatadas e do lar. Era tímido,
quatro olhos - usava um par de óculos com armação azul, ridícula, acho que era
moda à época, alvo de gozação dos colegas despudorados, maldosos mesmo, era da
idade-, fazia uns cacoetes estranhos, era feinho (reconheço olhando as
fotografias de antanho, houve substancial evolução estética com o Miguel,
benzadeus). Deve ter sido isso, sei lá. Não era popular, não era o craque do
futebol.
Retrospectivamente, interpreto o mundo das amizades
entre os gêneros, na escola judaica em que estudei e, extrapolando para outros
espaços comunitários que, confesso, tive pouco contato (como movimentos
juvenis, sinagogas, Kinderland) como assexuado ou perto disso. Saímos da escola
aos dezessete anos rumo à universidade. Não me lembro de conversas sobre sexo,
tampouco aulas sobre o tema. As brincadeirinhas entre amigos estavam longe de
ser maliciosas, o que é estranho, se admitirmos que a adolescência é o momento
de efervescência hormonal. Se havia putaria, era feita às escondidas dos olhos
atentos do Big Brother comunitário. Ninguém quer ficar mal visto no mercado do
namoro e, futuramente, do matrimonial, não é mesmo? Com fama de vagabundo,
vagabunda? Orgias, troca-trocas, lesbianismo, sadomasoquismo, bissexualidade ou
comportamentos que não seguem padrões pré-definidos de exercício da sexualidade
permaneciam na penumbra, flertavam com o perigo da descoberta e da excomunhão. Existiam
e existem, mas não se via. Não se vê, hoje?
Quem nunca ouviu a expressão “shiksappeal”, uma
brincadeira com a expressão original “sex appeal”, associando a palavra
carregada de sentido negativo “shikse” (empregada doméstica) e apelo sexual,
querendo dizer que as não-judias exercem fascínio e excitação porque estão além
das exigências de respeitabilidade que as meninas judias demandam, são
proibidas e tudo que é proibido é desejado (as crianças que o digam, vai dizer
“não sobe aí, menino” pra ver o que acontece...)? Não estão amarradas a convenções
sociais, topam tudo, além das fronteiras do grupo tudo é permitido contanto
que, ao retornar para “casa”, o transgressor deixe claro que suas aventuras
amorosas são um passatempo, mero extravasante de ímpetos pornográficos
censurados internamente. Sexo, fora; amor, dentro.
Os poucos relacionamentos/relações que tive intramuros
foi com mulheres que não se encaixavam no perfil, a princípio, legitimado como
o preferível. Tinham uma vida intensa e diversificada na sociedade, pouco se
lixavam para o que os “guardiães da verdade” diziam sobre os papéis apropriados
a homens e mulheres, exerciam sua sexualidade da forma livre, leve e solta, como
bem entendiam, não se deixavam encaixar nos rótulos e tampouco ligavam para
possíveis estigmas que lhes marginalizassem frente a potenciais bons moços
judeus aptos ao namoro e ao matrimônio.
O mundo mudou muito nos últimos vinte anos. Como os
meninos e meninas judeus exercem sua sexualidade hoje? Como as escolas judaicas
tratam o tema?
Ah, e por falar nisso: casei com uma “shikse”. E
“eles” têm razão. Haja sex appeal...
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