Durante meus anos de escola, o clube Hebraica foi uma
referência importante no processo de socialização com outras crianças judias.
Acho mesmo que a Hebraica viveu seus anos de glória na década de 1980, invariavelmente
lotado nos finais de semana, a piscina fervilhando de gente, as duas quadras de
futebol de salão permanentemente ocupadas e o ginásio poliesportivo disputado
com unhas e dentes por diferentes grupos de amigos. No verão, cheguei a
frequentar a colônia de férias. Minha memória olfativa me traz daquela época o
cheiro dos vestiários, através dos quais tínhamos de passar para acessar a
piscina. Mais do que referência de socialização, o clube judaico era um ponto
importante de afirmação e manutenção da identidade étnica através de inúmeros
eventos ou, por que não, da simples convivência e compartilhamento de velhas
estórias entre os “iguais”. Muitos hão de se lembrar do excelente buffet de
comida judaica servido aos domingos no grande salão do segundo andar, meu
professor de literatura sacaneando os velhinhos que faziam fila antes do
meio-dia, esperando “a cordinha baixar”, vai saber a razão.
Logo que entrei na escola, vindo da creche Coleguinha,
fui convidado por alguns colegas a participar da equipe de futebol de salão da
Hebraica. Os treinos aconteciam às terças-feiras e quintas-feiras, se não me engano,
às seis horas da tarde, horário perfeito para as crianças que estudavam no
período da tarde. Minha memória gustativa me traz daquele tempo o gosto do
misto quente (!) e do hambúrguer que comíamos antes de gastar as energias
correndo atrás da pelota, e a indefectível “mistura fina”, combinação perfeita de
partes iguais de Coca-Cola, guaraná e Fanta uva. Naquela época, os meninos que
formavam a equipe “fraldinha”, categoria a que correspondia nossa idade (depois
“subíamos” para a pré-mirim e a mirim), eram todos judeus, inclusive o
treinador.
Eu era um perna de pau de marca maior, esquentava o
banco na maioria das partidas, raramente tinha a oportunidade de jogar embora,
a cada sábado, colocasse esperançoso o uniforme, calção branco, camisa azul e
meiões brancos. Quem sabe um dos titulares se machucasse, estivesse doente ou o
treinador se apiedasse dos menos habilidosos, afinal, era apenas um joguinho inocente.
Perdíamos sim, mas a diversão, o lúdico era garantido. Lembro-me, para eterno
orgulho, de um amistoso nos nossos domínios contra os temíveis rubro-negros, o
placar seguia seu ritmo esperado, sete ou oito para eles, quando eu consigo
meter o gol de honra dos donos da casa. Juro!
Éramos uma espécie de “café com leite” do campeonato
carioca, inofensivos. Rotineiramente, levávamos sovas homéricas, verdadeiro
saco de pancadas, se fôssemos um time de futebol profissional seríamos uma
espécie de Íbis, “o pior time do mundo”, os adversários diriam que o “bicho” estava
garantido. Pelo menos, nosso ginásio era um dos mais bacanas, amplo, arejado,
orgulho arquitetônico. Fazíamos questão de ser bons anfitriões. Quando
jogávamos fora, ganhávamos, se não o jogo, um lanche no bar do clube, nem tudo
era tristeza. De Kombi ou de carona com pais abnegados que patrocinavam as
desventuras dos filhos, conhecemos um monte de bairros de norte a sul da
cidade. Visitamos a Tijuca, o Grajaú, Vila Isabel, Méier, Olaria, Bonsucesso,
Bangu, Cascadura, Ramos, Jacarepaguá, São Cristóvão, Gávea. Os clubes? Flamengo
(sempre um dos favoritos), Vasco, Social Ramos Clube, Mackenzie, Tio Sam, Sírio
Libanês, Tijuca Tênis Clube, Grajaú Country, Grajaú Tênis Clube.
Os anos se passaram e os dirigentes da Hebraica
deixaram de achar graça no papel de coadjuvante do clube nos campeonatos metropolitanos
de futebol de salão. O aspecto lúdico, de brincadeira, do esporte foi substituído
pela importância do resultado. Foram “importados” jogadores vindos de equipes
mais fortes e a Hebraica passou a disputar as primeiras colocações. Por outro
lado, os muros comunitários sofreram fissuras, os jogadores recém-chegados não
eram judeus, o que gerou conflitos entre a comissão técnica e os pais dos até então
titulares. O importante era ganhar ou competir? O clube era judaico ou não? Os
jogadores deveriam ser judeus ou não?
Aposentei minhas chuteiras com uns parcos gols, talvez
pudesse conta-los nos dedos de uma das mãos. Mas foi uma época feliz da minha vida.
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