Era dia primeiro de janeiro de 2011. Voltávamos do
tradicional passeio matutino no Aterro do Flamengo, Miguel vinha caminhando
quando escorregou e bateu com a testa numa tampa de bueiro embicada, mal
enterrada no gramado. Eu estava um pouco à frente, Renata acompanhava de perto
o filhote, mas nada pôde fazer para impedir o tombo. Quando olhei para trás,
ela olhava fixamente seu rosto, de costas para mim. Percebi que algo não estava
bem. Sua testa sangrava. Corremos para casa. Renata tomou as rédeas da
situação, limpou o ferimento da melhor forma possível. No quartel do Corpo de Bombeiros,
em frente ao nosso prédio, informaram que nada poderiam fazer, não poderiam dar
um pontinho sequer. Ato contínuo, tomamos um táxi para o pronto-socorro
infantil. Lá, fomos bem atendidos e, maravilhas da ciência, fecharam o
machucado com uma cola cirúrgica, uma espécie de esparadrapo superpotente. Até
aquele momento, Renata era a fortaleza em pessoa. Uma vez resolvida a situação
dramática, no táxi que nos levava para a casa dos avós paternos, já à tarde, não
teve jeito, desandou num choro incontido. Valentia tem limites. Bom, aquela
cicatriz foi tão somente a primeira de algumas que nosso bravo guerreiro já
carrega no corpo, marcas de sua exploração um tanto quanto acidentada, embora
prazerosa, deste mundo, vasto mundo.
Era dia 25 de novembro de 2016. O rapaz, no alto de
seus sete anos e meio, resolve fazer uma surpresa para os pais preparando-lhes
um belíssimo café da manhã. Entra na cozinha, deixa as canecas em cima da
bancada, pega o bule de café, coloca o pó no local apropriado, mas esquece da
água. O pai, ainda sonolento, ao se deparar com a cena, o ajuda. Pede que o
filho dê um tempo para que o café seja coado, que deixe o fogão fazer o papel
que lhe cabia, o dele já havia sido feito à perfeição. Numa fração de segundos,
um som seco e um grito. O moleque não havia saído da cozinha e, na ansiedade,
tentou pegar o bule sem a proteção adequada, deixando-o cair no chão. Sorte
(bom, é sorte nestas circunstâncias) que estava com a calça do pijama, o
líquido não tocou diretamente em seu corpo embora, por instinto, tenha-a tirado
rapidamente. Resultado: arrancou um naco de pele. A mãe corre, pega o filho nos
braços, leva-o para debaixo do chuveiro, deixa a água correr livremente por
sobre o ferimento, passa sabão em abundância e uma pomada para queimaduras.
Resolvemos leva-lo para o pronto-socorro. Lá, a médica disse que o procedimento
feito em casa foi o correto, apenas receitando uma pomada com maior poder de cicatrização.
A médica e a simpática enfermeira se enternecem ao saber o motivo do acidente
caseiro, “o que vale é a intenção”. No caminho para casa, a mãe para na calçada
e começar a chorar. Tchau, fortaleza. O filhote, já lambuzado de churros,
comprado pela avó materna, que nos acompanhava todo o tempo, pois havia dormido
lá em casa, estava bem. E melhor ainda ficou quando soube que não iria à escola
naquele dia fatídico.
Quando toma banho, Miguel adora brincar debaixo da
água quentinha, deixando o tempo passar.
Digo sempre a ele que “primeiro a obrigação, depois a diversão”. A
expressão se encaixa mais ou menos na forma como Renata lida com a proteção de
seu filho querido. Não importa quanto sofrimento ela vai passar ao ter de lidar
com o sofrimento dele, o importante é resolver a situação o mais rápido
possível. O alívio, em forma de choro ou de um pão doce compartilhado diante da
televisão, a “diversão”, vem depois.
Primeiro, a força, a obrigação de cuidar do seu bem
mais precioso; depois, o resto. Se eu faria o mesmo que ela? Claro que sim! Mas
tê-la por perto é sorte do Miguel. E sorte minha...
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