Ode aos gatos

Logo na primeira consulta após o nascimento do Miguel, o pediatra que fez parte da equipe da obstetra sugeriu, dentre outras medidas meio óbvias, como evitar tapetes e cortinas no quarto do bebê por conta do acúmulo de poeira, que nos desfizéssemos de animais domésticos, especialmente gatos, potenciais vetores de agentes alergênicos. Não foi categórico tampouco autoritário, mas o “conselho” soava como uma verdade absoluta. Só faltou dizer se o descarte deveria ser nos “recicláveis” ou nos “orgânicos”. Naquela altura, tínhamos duas gatas, Guadalupe e Guilhermina.

As gatas ficaram conosco, o pediatra foi descartado.

Miguel, hoje com sete anos e meio, cresceu no meio dos felinos. Hoje, ele é o pai do Leopoldo, um gato de pelagem amarela de dois anos e meio. Guadalupe, quando voltamos da maternidade, tomou para si a tarefa de proteger o recém-chegado. Contra todas as indicações médicas e temores do nosso círculo familiar, mesmo daqueles que possuíam gatos, Lupe dormia no berço, como que a velar o sono daquele ser que acabava de incorporar-se à família. Sempre foi assim. Eu, para ser sincero, ficava meio ressabiado, vai que um dia chego ao quarto do Miguel e dou de cara com seu rostinho arranhado, jorrando sangue, vai saber como funciona o instinto felino. Mas nunca aconteceu o pior, na verdade, quem sofreu com o ciúme da Lupe foi a Renata, que quase perdeu uma vista quando trouxemos a Guilhermina. Miguel, ora vejam só, não tem alergia a pelo de gato.

Não há a menor possibilidade de vivermos sem a companhia de felinos. Balela esse negócio de que gatos se apegam mais ao espaço que a pessoas, que são bichos traiçoeiros, que são egoístas. Bom, os nossos não são nada disso. Quando chegamos da rua, lá estão eles a nos esperar na porta, esfregam-se na gente e dão cabeçadas em nossa mão a pedir carinho, aninham-se nas nossas camas quando vamos deitar (outro dia, o Leopoldo estava dormindo em cima do Miguel), lambem nossa cara com aquela língua que mais parece uma lixa, enroscam-se nos nossos colos e em caixas de papelão vazias, ronronam loucamente numa demonstração de prazer, confiança e bem-estar por estarem em nossa companhia, sentam em cima de nossos livros e da papelada junto do computador como quem está a dizer “o conhecimento sou eu”, passam por cima de nossas cabeças e por entre os travesseiros da cama sem a menor cerimônia enquanto tentamos dormir, ficam de barriga para cima a pedir cócegas ao humano mais perto, adotam a posição de esfinge, enigmática, misteriosa, indecifrável (a Guilhermina, principalmente). E são lindos, lindíssimos, não nos cansamos de olhá-los, eu meio que com inveja de tanta beleza vira-lata.

Está na dúvida se seu gato te ama? Se a resposta for sim a pelo menos 80% dos itens abaixo, fique tranquilo, ele não vai te abandonar tão cedo.

Cabeçadas
Ronronar
Mordidinhas
Barriga para cima
Lambida
Amassar/afofar (vulgo “mamazinho”)
Lento piscar de olhos
Dormir no seu colo
“Presentes” (um bichinho trazido na boca, por exemplo).
Espasmos da cauda

Para finalizar, algumas frases de famosos sobre nossos amigos felinos:

O homem gostaria de ser um peixe ou pássaro, a serpente gostaria de ter asas, o cão é um leão confuso... Mas o gato quer ser somente gato, e todo gato é um puro gato desde o bigode até o rabo. (Pablo Neruda)

Adotam, ao sonhar, as nobres atitudes das enormes esfinges deitadas nos confins do mundo (Baudelaire)

Se fosse possível cruzar o homem com o gato, o homem melhoraria, mas o gato seria prejudicado. (Mark Twain)

Eu não conheço o gato. Tudo sei, a vida e seu arquipélago, o mar e a cidade imprevisível, a botânica, o gineceu com os seus extravios... o atavismo azul do sacerdote. Mas não posso decifrar um gato. A minha razão resvalou na sua indiferença, tem nos seus olhos números de ouro. (Pablo Neruda)

A única grande crítica que se pode fazer à grande maioria dos gatos é o seu insuportável ar de superioridade. (Pelham Wodhouse)

O gato foi criado quando o leão espirrou (mito árabe)

Levanta esses teus grandes olhos pretos de cetim que são como almofadas em que nos afundamos. Acaricia-me os pés, bela esfinge, e canta-me todas as tuas memórias (Oscar Wilde)

Um gato tem uma honestidade emocional absoluta. Os seres humanos, por uma razão ou por outra, podem esconder os seus sentimentos. Mas o gato não. (Ernest Hemingway)

O céu está nos seus olhos, o inferno no seu coração. (Honoré de Balzac)

Existem duas formas de fugir às misérias da vida: música e gatos (Albert Schweitzer)


A opinião do gato sobre o sítio mais quente da casa é praticamente infalível (Aldous Huxley)


Comentários

Silvia Pimenta disse…
Me identifiquei, Marcelo. Como minha filha diz, nos filmes da Disney e outros classicos do tipo, os cães são sempre heróis e os gatos são sempre vilões. O marketing dos cães é forte!