A passagem da creche Coleguinha para a escola não foi
das mais tranquilas. De alguma forma, não me sentia à vontade no novo ambiente,
embora não houvesse qualquer tipo de ameaça objetiva, todos me tratavam com
simpatia e cordialidade. É claro que não tinha amigos ainda, o trabalho de
estabelecer vínculos afetivos estava apenas no início. De toda forma, a
sensação era de opressão e sufocamento, minha vontade era de sair correndo de
volta para casa. Até hoje tenho de lidar com sentimentos pré-históricos deste
mesmo tipo, sensação de abandono, solidão, incapacidade de lidar com a
realidade que me circunda. Sorte da “minha” psicanalista, paga religiosamente
na primeira consulta de cada mês.
Não sei bem se foi no primeiro ou no segundo ano. Comecei
a reclamar de dores de barriga, mas os exames nada apontavam, nem vermes, nem
lombrigas, nem infecção intestinal, nada. Vieram, então, as dores de cabeça,
inventadas, claro. E lá ia minha mãe me pegar na escola e me levar de volta
para casa e arruinar sua programação da tarde. A frequência aumentou, por isso,
fui à minha primeira consulta no oftalmologista. Quem procura, acha. E acharam,
hipermetropia ou miopia, pouco importa agora. Pronto, problema resolvido.
Resolvido para os outros. Para mim, derrota em dobro, não podia mais usar o
argumento das dores de cabeça e ganhei instantaneamente o apelido de “quatro
olhos”. Mas as coisas não pararam por aí. Seguindo a “moda” da época, apareci
um dia com armações redondas azuis, terrível mau gosto olhando em retrospectiva,
os anos 1980 e início dos 1990 foram cruéis esteticamente falando. Um colega, ao
me ver, teve uma crise histérica, incontrolável, seguido imediatamente pelos
demais sádicos. O “Grumeca” (era meu apelido), além de “quatro olhos” não tinha
espelho em casa. Aquele dia demorou pra passar.
E os dentes? Lá pelos onze anos comecei a usar
aparelho móvel, menos pior que o aparelho fixo, que acumulava restos de comida
e deixava o hálito não muito atraente. Mas também não era lá aquela Brastemp.
Era um tal de tirar e colocar o aparelho para comer, para jogar bola, e quando
o tirava da boca vinha aquela baba nojenta, aquele cheiro de baba
desagradabilíssimo. Então, o figurino só desandava. Quatro olhos e aparelhado. Para
piorar, começou a nascer uma pelugem rarefeita onde, depois, veio a ser meu
bigode. Fui meio que desencorajado em casa para tirá-lo, afinal, uma vez
tirado, começaria a nascer cada vez mais pelo e cada vez em maior quantidade e
aí ficaria refém, para todo o sempre, dos aparelhos de barbear, do creme de
barbear e da loção pós-barba. Mais alguns apelidos: “pelugem”, “bigodinho de
porteiro”. Mais risos histéricos na sala de aula.
Outros pelos menos cotados para o papel de vilão foram
os do sovaco e os pubianos. Os do sovaco, acompanhados do “cheiro de homem”,
ficavam escondidos por debaixo da camiseta e não incomodavam a ninguém, nem a
mim; os pubianos, companheiros da mão esquerda que me masturbava enquanto a mão
direita segurava a Playboy ou viajava nas fantasias pornográficas protagonizadas
por colegas de turma ou completas desconhecidas com quem cruzava na rua.
Ah, a descoberta do corpo, que fase complicada e prazerosa.
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