Reminiscências escolares – parte 6

A passagem da creche Coleguinha para a escola não foi das mais tranquilas. De alguma forma, não me sentia à vontade no novo ambiente, embora não houvesse qualquer tipo de ameaça objetiva, todos me tratavam com simpatia e cordialidade. É claro que não tinha amigos ainda, o trabalho de estabelecer vínculos afetivos estava apenas no início. De toda forma, a sensação era de opressão e sufocamento, minha vontade era de sair correndo de volta para casa. Até hoje tenho de lidar com sentimentos pré-históricos deste mesmo tipo, sensação de abandono, solidão, incapacidade de lidar com a realidade que me circunda. Sorte da “minha” psicanalista, paga religiosamente na primeira consulta de cada mês.

Não sei bem se foi no primeiro ou no segundo ano. Comecei a reclamar de dores de barriga, mas os exames nada apontavam, nem vermes, nem lombrigas, nem infecção intestinal, nada. Vieram, então, as dores de cabeça, inventadas, claro. E lá ia minha mãe me pegar na escola e me levar de volta para casa e arruinar sua programação da tarde. A frequência aumentou, por isso, fui à minha primeira consulta no oftalmologista. Quem procura, acha. E acharam, hipermetropia ou miopia, pouco importa agora. Pronto, problema resolvido. Resolvido para os outros. Para mim, derrota em dobro, não podia mais usar o argumento das dores de cabeça e ganhei instantaneamente o apelido de “quatro olhos”. Mas as coisas não pararam por aí. Seguindo a “moda” da época, apareci um dia com armações redondas azuis, terrível mau gosto olhando em retrospectiva, os anos 1980 e início dos 1990 foram cruéis esteticamente falando. Um colega, ao me ver, teve uma crise histérica, incontrolável, seguido imediatamente pelos demais sádicos. O “Grumeca” (era meu apelido), além de “quatro olhos” não tinha espelho em casa. Aquele dia demorou pra passar.

E os dentes? Lá pelos onze anos comecei a usar aparelho móvel, menos pior que o aparelho fixo, que acumulava restos de comida e deixava o hálito não muito atraente. Mas também não era lá aquela Brastemp. Era um tal de tirar e colocar o aparelho para comer, para jogar bola, e quando o tirava da boca vinha aquela baba nojenta, aquele cheiro de baba desagradabilíssimo. Então, o figurino só desandava. Quatro olhos e aparelhado. Para piorar, começou a nascer uma pelugem rarefeita onde, depois, veio a ser meu bigode. Fui meio que desencorajado em casa para tirá-lo, afinal, uma vez tirado, começaria a nascer cada vez mais pelo e cada vez em maior quantidade e aí ficaria refém, para todo o sempre, dos aparelhos de barbear, do creme de barbear e da loção pós-barba. Mais alguns apelidos: “pelugem”, “bigodinho de porteiro”. Mais risos histéricos na sala de aula.

Outros pelos menos cotados para o papel de vilão foram os do sovaco e os pubianos. Os do sovaco, acompanhados do “cheiro de homem”, ficavam escondidos por debaixo da camiseta e não incomodavam a ninguém, nem a mim; os pubianos, companheiros da mão esquerda que me masturbava enquanto a mão direita segurava a Playboy ou viajava nas fantasias pornográficas protagonizadas por colegas de turma ou completas desconhecidas com quem cruzava na rua.


Ah, a descoberta do corpo, que fase complicada e prazerosa.  


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