Amor de filho

Miguel, na casa da avó em Teresópolis, me chama através do vídeo do Whatsapp. Ah, as maravilhas da tecnologia! Três semanas longe de casa, embora sempre perto do nosso coração, e sua fisionomia já parece de menino grande. O convívio diário, rotineiro, automatizado de tarefas e obrigações, esporros e brincadeiras, muitas vezes, impedem-nos de perceber as mudanças físicas e emocionais que transformam os filhos que, um dia, foram projetos de gente. É preciso parar às vezes, respirar fundo, olhar no olho e dizer um simples “eu te amo”, fazer um carinho nos cabelos, no rosto, dar as mãos, cheirar o cangote. Reconectar-se (para usar uma palavra horrenda da moda), reestabelecer vínculos esgarçados pela mão opressora do cotidiano.

Então, como dizia, Miguel me chama pelo celular. Vejo sua carinha de felicidade, está cercado de amor por todos os lados, curtindo suas merecidas férias da fadiga (!) que a metrópole impõe a todos, jovens e não tão jovens. Conta-me o porquê da ligação. Estava ele assistindo a um de seus desenhos favoritos, O incrível mundo de Gumball (pais de meninos sabem bem do que estou falando) um desses cartuns pós-modernos que, tenho certeza, é concebido depois de muito  LSD/haxixe/cogumelos/metanfetamina na cabeça. No episódio em questão, o avô de Gumball sai para comprar leite e não volta mais.

Miguel: Aí eu fiquei triste e lembrei de você, porque você é meu pai e eu queria dizer que eu te adoro.

Perguntei se ele achava que eu iria comprar leite para nunca mais voltar, abandonando-o para todo o sempre. Racionalizei demais, acho, porque ele disse que não. O negócio era mais simples. Essa minha mania de tentar entender tudo, interpretar tudo. Tenho de aprender a deixar as emoções fluírem e curtir essa singela, embora impagável, expressão de amor e carinho, “te adoro”.

 Amanhã, quando ele chegar em casa, o cobrirei de beijos tal qual um bom pai judeu.


Amor, substantivo perpétuo.  


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