A barbearia é
a extensão de casa. Somos fiéis a ela e ao nosso barbeiro de estimação. Mudamos
de residência, mas não mudamos de tesoura e navalha. A fidelidade é transmitida
às futuras gerações, como se fosse parte de nossa própria identidade. Meu pai
cortava ali, eu e Miguel mantemos a tradição. Miguel ganha um pirulito por bom
comportamento, embora não precise porque a fase rebelde já terminou faz tempo,
antes pelo contrário, confidenciou-me, certa vez, que gosta de sentir a maquininha
cortar a pelugem da nuca, dá uma sensação prazerosa. Tudo bem que as coisas
mudaram, as revistas Playboy deram lugar aos jornais e revistas “sérias”, mas o
sentimento de pertencimento àquele ambiente eminentemente masculino permanece
inalterado. De quando em vez, um peixe fora d’água, digo, uma mulher, aparece
por lá, afinal, toda regra tem sua exceção. Mas na barbearia nem tudo são
flores. Machismo e homofobia também podem dar as caras.
Já não
suportando o tamanho da barba e do bigode, impregnados do cheiro das comidas
que comi nos últimos dias, e do cabelo, cabelo ruim que, quando cresce além do
razoável, ondula que é uma beleza, marquei uma hora no santuário. Era final do
dia, último cliente. Conversamos sobre o tempo, futebol, política, a soltura do
ex-goleiro Bruno, viagens, febre amarela, a carreira universitária dos filhos,
já que “meu” barbeiro tem um filho recém-ingressado no ensino superior, e
carnaval. Conta-me que o filho não é muito de sair pra balada, mas gosta de
curtir os blocos de rua e ficou sozinho aqui na cidade por alguns dias. Ligou
diariamente para os pais dando-lhes satisfação do que havia feito e o que ainda
faria, onde foi e aonde iria com os amigos. Disse-lhe que é bacana essa
independência que os filhos vão adquirindo aos poucos, contei-lhe que Miguel já
vai sozinho à padaria comprar pão doce. O máximo que podemos fazer é orientar
da melhor forma possível - de acordo com o que achamos melhor – e torcer pra
tudo dar certo.
Concordamos
que tomar uma cervejinha com os amigos é bacana, não é bacana encher a cara pra
vomitar, isso é pagar mico, passar vergonha, queimar o filme e jogar fora a
oportunidade de dar uns beijos na boca, afinal, ninguém quer, voluntariamente,
beijar boca fedendo a vômito. Drogas ilícitas tampouco - não quis, naquele
momento, entrar numa discussão sobre descriminalização e legalização de
determinadas substâncias – cabendo a nós, pais, informar sobre as consequências
de seu uso e esperar que os moleques não troquem os pés pelas mãos.
Foi aí que deu
boi na linha. Embora estivéssemos sozinhos no salão, meu cortador de pelos
baixou a voz e confidenciou-me:
- Difícil é
explicar dois homens se beijando, né...
Silêncio meu.
Não um silêncio de aprovação, mas de constrangimento. Decepção. Mudei de
assunto. Barba, cabelo e bigode devidamente feitos, paguei o serviço fui-me
embora. Não imaginava, sinceramente, que pudesse ouvir essa babaquice do meu
“fígaro”.
Uma verdadeira
barbeiragem.
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