Não, não é
bullying contra pessoas acima do peso. É apenas uma expressão que, surgida em
Portugal e reproduzida aqui na Terra Brasilis, significa que desconhecemos
nosso interlocutor. Aos incomodados, especialmente aqueles que não gostam de
como se veem diante do espelho ou consideram o significado pejorativo,
depreciativo, estigmatizante, sugiro que o termo “gordo” seja trocado por “quilogramicamente
em desconformidade com o padrão estético recomendado pela sociedade do
espetáculo” ou “pessoa de porte avantajado” ou qualquer outro do cardápio do
insuportavelmente insuportável politicamente correto, como se o preconceito
fosse eliminado por decreto através da abolição de determinadas palavras e
expressões.
Pois esta
expressão, “nunca te vi mais gordo”, me veio à cabeça quando levava Miguel à
escola, hoje pela manhã. Pra variar, ele comentava sobre o tal joguinho Clash
Royale, que abriu o tal do baú e ganhou um personagem dificílimo, super raro, e
eu concordando com tudo o que ele dizia embora entendendo patavinas, quando
cruzamos com a mãe de um ex-colega da primeira escola. Dialogamos brevemente,
ela achou muito bacana o vídeo do Miguel tocando (!) violino. Então, já nos
despedindo, o moleque vira-se e manda na lata, olho no olho:
“Não me lembro
de você” (ou teria sido “Não sei quem você é”?)
Rimos os dois
adultos. Ela disse que não tinha problema, e tentou refrescar-lhe a memória
declinando o nome do ex-colega, mas não sei se surtiu o efeito desejado. Não
acredito, por outro lado, que Miguel sofra de prosopagnosia, doença mais
conhecida como “cegueira das feições”, que afeta, vejam só, 2% da população
mundial. Ele simplesmente não conseguiu ligar o nome à pessoa. Rimos por sua
sinceridade, porque é uma reação que, aos adultos, é mal vista, uma desfeita,
uma agressão. O não-reconhecimento no jogo teatral que são as relações sociais
significa o não-reconhecimento da própria persona, do personagem que somos no
palco da vida. Deixamos de existir.
Às crianças
ainda lhes é permitida a transgressão de determinadas regras socialmente
estabelecidas, o “bom tom”, por exemplo, dizer que o bolo servido no
aniversário do amigo de sala de aula está delicioso quando, na realidade,
rogamos aos céus que o garçom passe com uma cerveja estupidamente gelada para
limpar nossa boca do gosto detestável. As amarras sociais estão meio frouxas, e
a autocensura ainda mal incorporada ao exercício das inúmeras representações do
eu na vida cotidiana, dos inúmeros papéis sociais que desempenhamos
diariamente. A vida em sociedade é assim, gostemos ou não. Esse negócio de
fulano dizer que é “autêntico” é desculpa de desajustados sociais.
Mas que, de
vez em quando, dá vontade de falar poucas e boas e mandar às favas o bom
convívio civilizado, ah, não posso negar...
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