O gol é mero detalhe

Neste final de semana, houve mais um torneio de futebol de botão para a criançada lá na pracinha. Miguel passou a semana inteira falando da possibilidade de levantar mais uma vez o caneco, treinamos dia sim e outro também, sua autoconfiança era inabalável. Desta vez, não deu, embora não tenha feito má figura com a terceira colocação. Mais uma medalha para o panteão. Mas tudo isso, quem ganhou e quem perdeu, a alegria do dadinho entrando na forquilha ou a tristeza de vê-lo explodir no travessão, é simples detalhe comparado à satisfação que tive ao testemunhar a seguinte cena, enquanto arbitrava uma das semifinais (não a do Miguel, para não pairar quaisquer suspeitas de favorecimento filial).

A partida estava disputadíssima, muitos chutes a gol e nenhuma estufada de redes. O cronômetro, implacável, deixava os dois jogadores cada vez mais ansiosos. Então, há uma falta na ponta esquerda. O atacante dá a palhetada e o dadinho entra lá na gaveta, um golaço de almanaque. O goleiro reclama, diz que não estava ajeitado. Eu apenas observava o desenrolar dos acontecimentos, até o momento em que os ânimos se exaltassem e fosse necessária a intervenção do soprador de apito. Mas que nada. Ato contínuo, o próprio goleiro diz “ah, deixa, foi gol”. O assombro do adulto só fez aumentar, porque o atacante replica “não, tudo bem, bato a falta novamente”. Desta vez, o goleiro defende e o jogo segue. Ao repor a bola, com uma sinceridade e honestidade que dificilmente vemos em jogos de futebol dos adultos, amadores e profissionais, agradece a gentileza do atacante e ainda pede-lhe desculpas (!).

O time do atacante fair play acabou vencendo o torneio, derrotando o time do goleiro fair play por dois a um. A felicidade estampada no rosto do campeão era linda. Todo orgulhoso, foi mostrar a medalha para a mãe. O prazer do lúdico, da brincadeira, do jogo. Horas depois, os dois brincavam de outra coisa qualquer na pracinha. Amigos, amigos; adversários à parte.

Olha, não é desmerecer a vitória alheia, dor de cotovelo do pai que viu o filho perder o trono de algo tão sério como futebol de botão, mas a lição de cidadania que estes dois moleques de dez, onze anos, deram para nós, marmanjos, é tão ou mais importante do que levantar troféus e festejar vitórias. A naturalidade com que resolveram a pendenga, a bondade e o altruísmo que ambos expressaram no episódio do gol que não foi gol, mostra que o ser humano não é, naturalmente, atavicamente, inexoravelmente, geneticamente, inescapavelmente, desonesto, egoísta, individualista, corrupto.


Foi um sábado bacana. 


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