A sociedade é um grande palco em que nós, atores,
exercemos múltiplos papéis ao longo da peça que é a vida cotidiana. A cada
contexto, a cada interação, pactuamos com os interlocutores as máscaras sociais
que cada um deve usar. As inúmeras “representações do eu” carregam em si
expectativas de comportamento, daquilo que é permitido fazer e falar. O bom
exercício do papel esperado de cada uma das partes garante a fluidez, a
“normalidade” das relações sociais, diminuindo a possibilidade de rupturas e
tensões quanto à definição de fronteiras simbólicas entre os galhos que cada
macaco deve ocupar. Pão, pão; queijo, queijo.
Um exemplo comezinho é a relação entre médico e
paciente. Quando chega ao consultório, o paciente carrega consigo uma série de
expectativas tanto do que irá encontrar no ambiente físico, no consultório,
quanto do comportamento do profissional que irá atendê-lo, sua vestimenta –
muitos médicos usam avental branco, com o nome e a especialidade bordados-, a
linguagem adotada – a utilização de termos basicamente restritos aos iniciados
na medicina – no sentido de comprovar o domínio do conhecimento científico-,
além de objetos – diplomas acadêmicos, certificados de membro de associações profissionais,
tanto melhor se internacionais - que reafirmam simbolicamente ao paciente que o
profissional sentado ali, do outro lado da mesa, é de confiança. É claro que
nada disso garante um bom atendimento e a resolução do problema, o que chamo a
atenção é para o estabelecimento de papéis sociais e a expectativa de
comportamentos necessários a partir da definição do contexto.
E os antropólogos?
Geralmente, são identificados como “aquele pessoal que
estuda índio”, “alternativos”, se embrenham no meio da floresta pra fugir da
civilização, são “da paz” porque gostam de relativizar a tudo e a todos, acham
o maior barato a diversidade cultural e a diversidade sexual. Acham que tudo
vale a pena quando a alma não é pequena. É uma categoria de gente quase pitoresca,
que não deve ser levada muito a sério, “viajam na maionese”, mas que é ótima
para bater papo num churrasco e debater assuntos “polêmicos” à base de muita
cerveja, de preferência. Às vezes são confundidos com os arqueólogos.
Eu sou antropólogo. Meus amigos me chamam de
“Gabeira”, em referência ao Fernando Gabeira, jornalista, escritor e
ex-deputado federal, homossexual assumido, que na década de 1980 agitava as
praias cariocas com sua sunga cavadíssima. A alcunha não surgiu por minhas
preferências sexuais, embora eu nunca diga que desta água não beberei, mas
porque Gabeira já declarou abertamente que fuma maconha e defende a
descriminalização das drogas. Para os meus amigos, aparentemente, o exercício
do papel social de antropólogo, por ser considerado “exótico” e um tanto quanto
“descolado” da realidade, está intimamente relacionado ao uso de substâncias
que potencializem a capacidade de “viajar”. Ser chamado de “Gabeira” é quase
uma categoria de acusação, no sentido de que a acusação serve para escancarar a
transgressão de normas sociais (o uso de maconha), contribuindo para a
estereotipia e estigma da antropologia, coisa de “maluco beleza”.
O antropólogo, então, tem de ser que nem a mulher de
César. Não basta ser doidão, tem que parecer doidão.
Alguém tem um baseado aí?
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