E, de repente, ele dispensa sua companhia na entrada
da escola, te manda de volta pra casa antes mesmo do portão ser aberto. O pai,
ferido, porém resignado, sabe que já há algum tempo “queima o filme” do
pimpolho, que prefere bater papo com os amigos da sala. Tenta, ainda, espiar de
longe, mas, descoberto, toma logo um esporro. Mais lacônico, impossível:
- Tchau, filho. Tenha um bom dia, divirta-se. Te amo.
- Tá.
É um processo bonito esse da paulatina e inexorável autonomia,
do alçar voo solo, da descoberta de gostos e desgostos, da experimentação do
mundo, do exercício da liberdade, dos prazeres e dores que é viver a vida. De
repente, ele vai à padaria do lado de casa enquanto esperamos sentados na
portaria, com os corações na mão. Fica vermelho quando insinuamos um amor
platônico. Exibe cicatrizes das peripécias típicas da infância. Fala o perfeito
“carioquês”, cheio de gírias. Está ganhando aquilo que os americanos chamam de “street
smart”, a malandragem da rua. Adora um sanduíche quentinho de mortadela regado
a Fanta laranja. Sorri lindamente e gargalha histericamente como poucos. Chama
para batalhas de cócegas e tenta descobrir meu ponto fraco. Estira-se no sofá, assistindo
à televisão, e exige carinho nas costas e nos pés, no ritual quase que diário de
embalar o sono.
Testemunhar seu crescimento físico (as marcas de lápis
no batente da porta do seu quarto, cada vez mais altas, e os pelinhos na perna
não deixam mentir) e emocional é um privilégio nosso. Às vezes, seu gênio dá
nos nervos, mas são ossos do ofício.
Foram oito anos muito bem vividos.
Obrigado, Miguel, por me escolher como pai. Só não se
esquece de beber água na escola, hein? E o casaco também porque hoje tá frio!
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