Miguel e as drogas

Ontem, no Dia Mundial Sem Tabaco, o Instituto Nacional do Câncer - Inca apresentou dados inéditos de uma pesquisa sobre o custo econômico e de saúde relacionado ao tabaco. O número de mortes relacionadas ao tabagismo no Brasil é de 156 mil ao ano. Além disso, o país registrou 478 mil infartos e internações devido a doenças cardíacas e 378 mil de doenças pulmonares provocadas pelo cigarro. O tabaco gera uma perda econômica de R$ 56,9 bilhões ao ano, por causa do custo do tratamento das doenças relacionadas ao tabaco, da perda de produtividade dos fumantes que adoecem e por causa das mortes prematuras. Homens fumantes perdem, aproximadamente, sete anos de vida em comparação com um não fumante; mulheres fumantes, seis anos de vida.

Coloquei na boca meu primeiro cigarro aos dezoito anos, logo ao entrar na faculdade. Talvez fizesse parte do ritual de passagem entre a vida adolescente e a vida adulta, um jeito meio torto de autoafirmação, de liberdade, de transgressão e desafio ao modus vivendi da casa de meus pais, ambos não fumantes inveterados e abstêmios. O maço, geralmente de cigarros mentolados, durava muito tempo, geralmente jogado para debaixo da cama, mesmo destino das revistas de sacanagem de anos anteriores, quando alguém resolvia entrar no quarto de supetão e eu, inadvertidamente, o houvesse esquecido em cima da escrivaninha. A coragem ia até a página dois. A Síndrome de James Dean, no entanto, durou pouco tempo. Logo abandonei o cigarro.

Outro dia, rolou um papo sobre drogas lícitas com o Miguel. Ele sabe que, hoje, eu não fumo. Tenho até intolerância à fumaça, não consigo permanecer num ambiente infestado com o cheiro da nicotina e das milhares de substâncias desconhecidas que compõem o cigarro.

- Papai, você já fumou (cigarro)?
- Sim, filhote.
-Quantos anos você tinha?
-Dezoito.
- Você fumou muito tempo?
- Não. Comecei a fumar logo que entrei na faculdade, mas, pouco depois, descurti. O cigarro me deixava com a boca fedendo (lembro-me de um parente que, certa vez, disse que o hálito da boca de sua esposa se parecia com uma chaminé) e ele faz muito mal à saúde, muita gente morre de câncer no pulmão, causa um sofrimento enorme no corpo e na mente.
- Mas eu quero experimentar.
- Mas é horrível, filho. Você quer arrebentar com a sua saúde? Quer ficar doente? Eu estou te dizendo que não vale a pena, vai por mim, acredita no que eu te falo.
- Mas se você experimentou, eu também posso. É só experimentar, papai.

O cigarro é uma droga lícita. Se Miguel quiser, poderá comprar um maço quando a idade assim o permitir, o comerciante nos fazendo crer que não vende para menores de dezoito anos. De nada adianta a fala de cima para baixo, da autoridade parental, da tal da experiência de vida, do “não pode porque não pode”, de que os mais velhos já trilharam o caminho e conhecem os percalços e os atalhos para a felicidade. Os “de baixo” querem experimentar a vida e decidir autonomamente o caminho a seguir, para o bem e para o mal, a despeito de toda campanha publicitária contrária ao tabaco, dos rótulos macabros que adornam as caixinhas.

O mesmo vale para o álcool, outra droga lícita.

- Papai, com quantos anos eu posso beber cerveja?
- Dezoito, meu filho.
- Posso tomar um dia antes de fazer dezoito anos? Só um dia antes?
- Não, meu filho.
- Mas com você do meu lado...
- Hmmm...
- E dois dias antes de completar dezoito anos?
- Affff... (já vi onde isso vai dar)

Proibir que Miguel fume não é a solução, acredito ser mais produtivo conversas sobre os males que o cigarro causa à saúde e torcer para que ele siga os conselhos. No caso da cerveja e demais bebidas alcoólicas, cabe alertá-lo para os riscos do abuso, “beba com moderação”, esperando que ele saiba delimitar a fronteira entre a diversão e o prazer, de um lado, e a doença e a vergonha de outro. Quando vejo grupos de adolescentes entornando garrafas de vodca na pracinha, quando vejo um destes adolescentes vomitando no meio-fio, imagino meu filho daqui a dez anos e meu coração fica apertado. O que falar, então, das drogas ilícitas?


Haja saliva. 


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