Miguel, o botonista.

Minha infância se passou num período – a amada e odiada década de oitenta - em que a esmagadora maioria das brincadeiras era de baixa tecnologia, ou melhor, era analógica. Não tive Atari. A gente se divertia e era feliz da vida jogando bola descalços no pátio do prédio - dois pares de chinelos fazendo as vezes das traves - pique-esconde, pique-pega, queimada, bicicleta, skate, pingue pongue, banho de mangueira, piscina do clube do bairro, estourávamos “cabeção de nego” em tubos de PVC, fazíamos experiências científicas com lesmas e minhocas que viviam nos canteiros, ficávamos batendo papo na portaria até tarde da noite (na minha memória infantil, acho que esse “tarde da noite” era tipo dez horas). Claro que a televisão fazia parte do dia-a-dia, mas nada tão intenso quanto hoje.

O quê falar, então, do futebol de botão? Ou, simplesmente, botão? “Vamos jogar botão”? Na ausência da mesa, usávamos o chão do quarto ou da sala como campo de jogo, estabelecendo as fronteiras laterais e das linhas de fundo com chinelos, canetas, riscos de giz ou o que estivesse à mão no momento. Os botões, claro, tinham nome de jogadores reais, mas nem todos, eu inventei muito nome, lembro-me saudosamente do “Bolgan”, meu artilheiro atabalhoado, meio grande para a posição. Eu e meus amigos anotávamos em caderno específico os gols que cada jogador fazia para efeitos de artilharia e valorização do passe.  Admito que sempre fui um botonista medíocre – mediano, vejam bem – daí minha emoção quando, no aniversário de um amigo, no imemorial mês de agosto de 1986, comemorado com um torneio de futebol de botão no sítio da família, sagrei-me, contra todas as previsões (o aniversariante era franco favorito) campeão e ergui a singela taça que me cabia como prêmio.


Pensam vocês que, hoje, “jogar botão” faz parte do rol de brincadeiras inventariadas apenas para fins de registro histórico? Estão redondamente enganados. Miguel, comprovando a teoria da evolução darwiniana, e deixando de lado as geringonças tecnológicas por algum tempo, entre um desenho do Cartoon Network e uma disputa de Clash Royale no Ipad, dá as suas palhetadas e põe o pai no chinelo. Não só o pai, mas também alguns amigos que brincam com ele na pracinha. Tudo bem, a brincadeira fica um pouco mais séria quando estão em disputa troféus, medalhas e a massagem no ego de subir ao mais alto lugar do pódio e ouvir os gritos de “é o maior, é o maior” (licença poética). Bom, Miguel também é colocado no chinelo porque nem tudo é perfeito, todos têm um lugar ao sol...



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