Miguel e a careca

Depois de duas semanas de férias na casa da avó materna nos Alpes cariocas, esbaldando-se na colônia de férias, comendo o inigualável McVovucha (versão saudável do BigMac), queimando a retina de tanto jogar estes joguinhos eletrônicos, enfim, curtindo a merecida folga dos pais que só sabem encher o saco, Miguel liga às oito da matina de um sábado para avisar que estava voltando dali a poucos minutos e, para que não esquecêssemos daquela obviedade, que amava a mim e a mãe. A distância física não diminui o sentimento que nutre pelos pais. Menos mal.

Três horas depois, toca a campainha. Quando a porta se abre, imaginando encontrar a figura paterna registrada na memória duas semanas antes, aquele pai barbudo e cabeludo, o rapazola é surpreendido com a imagem de um estranho, irreconhecível, imagino que a sensação tenha sido a de ter ficado órfão em vida, sensação de perda. Deu meia volta no corredor e começou a chorar. A mãe vai atrás para consolá-lo, acalmá-lo, explicar que aquele homem parado no batente da porta era, sim, seu pai, e que estava tudo bem, não precisava ficar com medo. Aos poucos, acostumando-se com a nova estética, ele chega perto, dou-lhe um forte abraço e um beijo. Ao longo do dia, vejo-o me observando de esguelha, os olhos pregados na parte de cima da cabeça, tentando decifrar o que se passa ali para tão estranha decisão estética. “Odeio carecas”, rosnava de vez em quando. Finalmente, rendeu-se, torcendo para que os fios de cabelo, cada vez mais parcos, cresçam o mais rápido possível.

Ser careca não é fácil. Apelidos não faltam: pista de pouso para passarinho, aeroporto de mosquito, pouca telha, ninho de águia, bola de sinuca, Kinder ovo, serra pelada, cabeça de ovo. Ter a cabeça raspada, voluntariamente ou não, também pode ser símbolo de estigma. Recentemente, um dos muitos presos na Operação Lava Jato pediu às autoridades policiais que não lhe cortassem a juba porque a cabeça raspada é coisa de preso, criminoso, assassino. Eike Batista, vocês devem se lembrar, apareceu assim após ser levado pela Polícia Federal. Prisioneiros em campos de concentração têm a cabeça raspada, retirando-lhes qualquer traço de individualidade e, por que não, humanidade. Pacientes com câncer também costumam raspar a cabeça, antecipando-se à queda dos fios como consequência do tratamento agressivo a que são submetidos. Infestação de piolhos também é oportunidade para a máquina zero. O que dizer, então, dos famigerados skinheads?  

Mas nem tudo está perdido. Como já dizia a marchinha de Carnaval, “é dos carecas que elas gostam mais”, e o poeta vocalista do lendário conjunto britânico Right Said Fred, sucesso nos anos 1990, afirmava categoricamente que “I’m too sexy for my hair”.  Recente pesquisa conduzida por um especialista em Psicologia Social da Universidade da Pensilvânia mostrou que homens totalmente carecas são percebidos como “mais dominantes, másculos, viris, confiantes, altos e fortes” do que realmente são. Como o que importa é a percepção da realidade, e não a realidade em si, porque a realidade em si não existe, só existe a realidade que passa pelo crivo da interpretação cultural, uma vez feita a fama, deitemo-nos na cama...

Abaixo a carecofobia! 


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