- Papai, você sabe quem é o presidente da América dos
Estados Unidos?
- Você quer dizer Estados Unidos da América?
- É, isso.
- Quem é?
- É o Ronald Trump.
- Donald. Donald Trump.
Estávamos indo para a escola, e Miguel desandou a
falar de um joguinho em que Trump é meio que sacaneado, está metido numa
enrascada qualquer e o seu salvador, em vez de salvá-lo, contribui para a sua
morte. Sinceramente, no meio da descrição eu já havia desistido de acompanhar,
eram sete e quinze da manhã e meus neurônios ainda estavam sonolentos.
Terminada a descrição da odisseia com final infeliz para o presidente
norte-americano, resumi meu sentimento em relação ao “homem mais poderoso do
mundo”, ainda chocado com seu relativismo moral que iguala manifestantes
antirracistas, de um lado, e racistas e antissemitas autointitulados “supremacistas
brancos”, de outro:
- O Trump é um babaca, um cara malvado, é racista.
- Ele não gosta de negros?
- Não, ele odeia os negros. Ele pensa que nem os
portugueses que colonizaram o Brasil, lembra? Os portugueses trouxeram negros
da África para trabalhar como escravos nas lavouras de cana de açúcar e nas
plantações de café e nas minas de ouro, e eles foram escravizados porque os
portugueses não os respeitavam como seres humanos, eles acreditavam que os
negros africanos eram praticamente animais que falavam.
- Papai, você gosta de negros?
- Filho, deixa eu te dizer uma coisa. Eu não gosto nem
desgosto de negros por causa da cor de sua pele. Também não gosto ou desgosto
de brancos, azuis e vermelhos por causa da cor de sua pele. As pessoas são boas
ou más independentemente da cor de sua pele. Coloque isso na sua cabeça. Por
exemplo: eu desprezo o Trump, que é branco; eu te amo, e você também é branco.
Miguel teve muito pouco contato com crianças negras,
até o início deste ano. Saiu da bolha social quando decidimos coloca-lo numa
escola pública, onde a diversidade, na vertente que queiramos escolher, é muito
mais presente do que nas escolas particulares da classe média carioca.
- Por que eu não tenho amigos negros?
- Porque você não teve, até agora, a oportunidade de fazer
amizade com crianças negras. Mas na sua escola há crianças negras, não é? Na
sua sala?
- Sim, mas os dois são chatos.
Miguel havia dito, minutos antes, que os negros que
conhecia eram todos chatos. Imagino que se referia aos colegas de classe.
Ajudando-o a não reproduzir estereótipos e evitar possíveis estigmas, lembrei-o
que, em sua festa de aniversário, um dos dois colegas da escola convidados era,
na minha visão, negro.
- O Fulano não é negro?
- Não, o Fulano é médio. (“médio” seria moreno?)
Então, Miguel citou dois outros colegas que identifica
como brancos e com os quais não vai muito com a cara. Pronto, foi a minha deixa
para ratificar a ideia de que a bondade ou maldade de uma pessoa não pode se
relacionar com uma característica física como o é a cor da pele.
De semente em semente, tentamos formar o caráter do
nosso filho, transmitir valores que consideramos corretos. Torcemos para que as
sementes deem frutos saborosos. Não há salvação sem educação.
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