Já deve fazer uma década quando um tal de MV-Brasil,
que se dizia o movimento de valorização da cultura nacional, o que quer que
isso signifique, emporcalhava a cidade do Rio de Janeiro com cartazes exortando
a população carioca a expulsar os malvados imperialistas e sua cultura
opressora. Alguns desses cartazes diziam assim: “Halloween é o cacete. Viva a
cultura nacional” e “Halloween é satanismo. Brasil, país cristão”. Puro
mau-humor. Nada mais divertido do que brincar de fantasiar-se de seu
super-herói favorito e criar batalhas imaginárias com os arquiinimigos, ou prometer
não amedrontar as casas da vizinhança em troca de generosas quantidades de
balas e chocolates. Festa à fantasia não tem pátria, pergunte aos maiores
interessados, a criançada.
As identidades culturais não se submetem à geografia.
Nossa capacidade de incorporar práticas sociais teoricamente alheias à
realidade objetiva que nos rodeia, dar novo sentido a padrões de comportamento
enraizados no cotidiano ou simplesmente abandonar toda aquela produção
simbólica que deixou de fazer sentido é o que nos torna humanos, demasiadamente
humanos. Estamos fadados a produzir cultura, a construir, reconstruir e
destruir identidades. A apropriação cultural é saudável. Menos importante do
que a origem da prática cultural é sua recepção, experimentação, como o
destinatário compreende, interpreta e reinterpreta a mensagem.
Imaginem vocês se um desmiolado resolvesse condenar a
influência perniciosa dos operários ingleses que, nos intervalos da labuta nas
fábricas paulistanas, chutavam uma bola de um lado para outro no intuito de
encaixá-la numa baliza. Imaginem vocês a quantidade de expatriados se a brasilidade
estivesse condicionada à capacidade de sambar, ou de jogar bola, ou de cantar
sertanejo, ou de dissertar sobre o folclore nativo. Imaginem vocês a quantidade
de brasileiros necessitados de tratamento psicanalítico, desnorteados pela
revelação de que os desenhos animados que embalavam as tardes pós-escola e as
festas de aniversário, tipo Pica-Pau e Tom & Jerry, enfim, os personagens que
povoavam a memória infantil e ajudaram a construir seus “self”, nada mais eram do
que agentes a serviço do imperialismo norte-americano.
Você aí não gosta do Halloween? Tudo bem. Mas, por
favor, deixe quem gosta se divertir. É quem nem o falso problema do casamento
gay. Se você não é gay, tudo bem. Mas deixe quem é dar aquilo que quiser para quem
quiser, de papel passado e tudo. Sejamos felizes, ora bolas. E, como diz aquela
frase pintada na escola onde Miguel estudava, e com a qual concordo plenamente:
“Menos treta, mais teta, por favor”.
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