O brasileiro, e o carioca em particular, vêm
testemunhando nos últimos anos uma avalanche aparentemente inesgotável de casos
de corrupção envolvendo todos os níveis da administração pública e todas as
escalas de autoridade de cada uma das esferas de governo. Leio, hoje, nos
jornais, que, com a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony
Garotinho, os últimos vinte anos do poder político fluminense estão atrás das
grades. Corrupção sempre houve, mas o pessoal resolveu extrapolar. Parece que o
próprio Sérgio Cabral, diante do embolso de quantias estratosféricas desviadas
dos cofres públicos, e a quem Garotinho fará companhia no presídio de Benfica,
na zona norte da cidade, teria dito algo do tipo “é, eu exagerei na dose...”
num raro momento de autocrítica e humildade.
O alheamento dos políticos profissionais – lembro-me
de Max Weber e a ideia de política como vocação – de seus representados,
vivendo numa espécie de realidade paralela de luxos e mordomias, auxílios disso
e daquilo, e eventuais boquinhas em negociatas espúrias que descambam para a
desfaçatez de “dancinhas do guardanapo” em Paris, é terreno propício para o
aparecimento de salvadores da pátria que prometem, sobretudo, o fim da
corrupção associado à “boa gestão” do dinheiro público. O mundo da política é
apresentado, por tais salvadores, como espaço eminentemente corrupto - embora
“esqueçam” que o espaço privado costuma ser parceiro nas negociatas, afinal,
onde há corrupto, há corruptor – e o sucesso nos negócios – lícitos, imaginemos
– legitima a candidatura a cargos públicos e é prova suficiente da competência
que pretende transplantar ao Estado brasileiro. Esse discurso do sucesso
empresarial e do cansaço da política “tradicional” foi usado insistentemente
por Trump, nas eleições presidenciais norte-americanas, e por João Dória, nas
eleições para a prefeitura de São Paulo. E deu frutos, como todos nós sabemos. E
lá vem o Luciano Huck para a disputa presidencial de 2018.
A figura do bom gestor, imparcial e eficiente, tal
como nos é apresentada, é peça de ficção. A gestão de políticas públicas não se
dá em um vácuo ideológico, e uso o termo “ideológico” sem a conotação negativa
que muita gente insiste em dar na tentativa de desqualificar o debate de
ideias, como se o embate de ideias e valores contaminasse o ambiente
pretensamente asséptico da gestão pública, mas no sentido de “visão de mundo”,
de balizadora de caminhos, de interpretação da realidade, de diretriz, de
diagnóstico. A boa ou má gestão do orçamento municipal, estadual ou federal só
pode ser avaliada a partir de critérios políticos, de decisões tomadas por
agentes políticos, sejam eles neoliberais ou bolivarianos.
Pensemos no holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial.
Ele foi possível graças à associação entre uma gestão eficientíssima da máquina
de guerra nazista, impessoal e imparcial, que retirou a condição humana de suas
vítimas transformadas em estatísticas e metas a serem cumpridas nos relatórios
da burocracia, e a ideologia antissemita que subjazia as ações de Hitler e a
cadeia de comando que o sustentava. Julgá-los pelos critérios da “boa gestão”
asséptica não me parece boa ideia. (Sugestão de leitura: Modernidade e
Holocausto, de Zygmunt Bauman).
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